CANOADA - UMA PONTE LONGE DEMAIS... Imprimir
Escrito por Fabio Nogueira   
Seg, 23 de Março de 2009 20:29

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Uma ponte longe demais

Realizamos, no último feriado do dia 20 de novembro, uma excursão de canoa descendo o Rio do Peixe, um afluente do Rio Paraná, cuja foz está na proximidades da cidade de Presidente Epitácio.

Embora o CEU conte com outros excelentes remadores, ali estava a nata, ou pelo menos parte desta nata, dos remadores do clube. E não poderia ser diferente, pois se tratava de uma excursão exploratória, em um rio desconhecido, que podia apresentar muitas surpresas.
Participaram: Marcelo, Anderson, Ernesto, Pascoal, Linilson, Walter e eu.

O grupo, que viajou separado em dois carros, reuniu-se no ponto de saída, sob a ponte da SP-501, as 7h 30m, um ótimo horário para a saída.

O acesso ao rio era fácil, a previsão do tempo, nos prometia 4 dias de um sol radiante, o rio, apesar de barrento, era limpo, sem lixo nem...Espere aí! Uma excursão em que o Ernesto participava com 4 dias de sol?

Não, havia algo de muito errado nesta excursão. Embora não conseguisse saber o
que, era inverossímil demais.

Recebi os mapas do percurso na margem do rio, o que me permitiu um "minucioso" exame dos mesmos e um "bom" planejamento da navegação; mas, como o rio não tinha bifurcações, isto não parecia um grande problema.

O grupo era muito divertido e o entrosamento entre as duplas foi imediato, o que permitiu um bom desempenho das canoas, que venciam as curvas do rio com facilidade.

O rio em si não era lá grande coisa; a vegetação das margens era baixa, quase que só composta por arbustos, praias, algo lamacentas, havia pouquíssimos animais, mas o simples fato de estar remando novamente, e com um grupo legal, já era, para mim, uma alegria.

O primeiro dia transcorreu tranqüilo e após 40 km, encontramos uma boa praia para acampamento; embora fosse um pouco cedo, 16:00h, paramos, montamos acampamento e ficamos nos refrescando no rio. Ao entardecer houve um ataque fulminante de pernilongos, sedentos e animados com um cardápio de sangue novo, que nos obrigou a entrar nas barracas mais cedo.

O trecho do dia seguinte também foi tranqüilo, o rio ficou mais bonito e vimos alguns animais; nem as corredeiras, que eu havia visto nas imagens do Googleearth, apareceram.

No final da tarde, encontramos uma praia; não era lá grande coisa, mas resolvemos parar, pois as possibilidades de novas praias, rio abaixo, não eram muito promissoras. Após breve reunião, resolvemos, por unanimidade, mandar o Anderson, o mais jovem e forte do grupo, descer alguns quilômetros do rio, no caiaque o Linilson, para procurar alguma praia. Pouco tempo depois ele voltou, contando não haver mais nenhuma. Acampamos.

Uma breve consulta aos mapas mostrou que estávamos a pouco mais de 15 km da ponte onde sairíamos; pouco mais de duas horas remando calmamente. Apesar do Ernesto, o sol continuava a brilhar, alguma coisa estava decididamente errada.

Acabou a Pilha

Ao entardecer, aconteceu o já tradicional ataque aéreo, que nos obrigou a entrar nas barracas. Já deitado, num momento de reflexão, falei a mim mesmo: - Você está virando mesmo um velhinho ranzinza e pessimista.

Acordamos cedo e saímos remando; como a distância era curta, tomei um bom café da manhã e embalei toda minha comida no fundo da canoa. Eu tinha apenas 2 litros de água, mas seria o suficiente para a curta jornada.

Poucos quilômetros rio abaixo, a região começou a ficar pantanosa e alagadiça; muito bonita, mas também muito labiríntica. Seguimos o curso principal do rio e após algumas passagens estreitas, chegamos a umas grandes lagoas rodeadas de aguapés, onde perdemos o canal principal do rio; nos dividimos para procurar a passagem em pontos diferentes das lagoas.

Após muito tempo de procura, vimos que não havia passagem; estávamos vendo a ponte, a menos de 2 km, mas não conseguíamos chegar até ela. As buscas continuaram, cansativamente, mas nada. Em uma parada, entre uma consulta ao mapa e a procura pela passagem, vi um pequeno jaçanã, com seu longos dedos finos, caminhando alegremente sobre os aguapés; nunca pensei que um dia sentiria inveja de uma ave.

Num dado momento, o Linilson, acabou sugerindo aquilo que ninguém queria sequer admitir, teríamos que voltar remando rio acima, contra a corrente, e procurar a passagem. Remar contra a corrente, além da dificuldade normal, devido ao esforço extra que exige, requer uma atenção e um esforço constante de quem está no leme, para manter a canoa alinhada na corrente; qualquer descuido a canoa atravessa no rio e é arrastada vários metros rio abaixo, obrigando a mais esforço para recuperar este espaço perdido.

Resumindo, após 20 km, muitas bifurcações exploradas sem sucesso e aproximadamente 6 horas vagando a esmo, resolvemos parar. Eu não havia comido quase nada, estava desidratando rapidamente, talvez com um princípio de insolação e muito, muito cansado.

Encontramos um acampamento de caçadores abandonado, que ficava muito próximo ao pasto de uma fazenda da região; havia uma única árvore com sombra para nos abrigarmos. Após breve reunião, concluímos que a saída pelo rio seria impossível e que um possível resgate deveria ser tentado por terra, por esta fazenda. Decidiu-se que um grupo, composto por dois motorista e mais duas pessoas, caminhariam até a sede da fazenda para pedir ajuda; os dois motorista seguiriam para buscar os carros e os outros dois integrantes do
grupo voltariam com informações para os que ficaram. Como motoristas foram o Marcelo e o Pascoal, como equipe de retorno Walter e Anderson.

Saíram caminhando as 15:30h, sob um sol radiante, enquanto o resto aguardava sob a árvore. Embora bem menos difícil do que a tarefa da equipe de resgate, a espera foi cruel; o calor estava insuportável, abafado e sem vento, pernilongos e mutucas nos atacavam continuamente; restava-me pouco mais do que 300 ml de água, que estava tão quente como qualquer chá. O tempo foi se dilatando, os minutos tornaram-se horas e não recebíamos nenhuma informação do que estava acontecendo com a outra equipe.

Lá pelas 17:00 h começou a trovejar e grandes nuvens se formaram a nossa volta; pouco depois víamos grades massas de cumulusnimbus despejando chuva torrenciais ao longe, em vários pontos ao nosso redor. Incrivelmente o Ernesto estava sentado sob nossa árvore, chuvas torrenciais no cercavam, mas, onde estávamos não caia uma gota sequer; seguramente o pior ainda estaria por acontecer.

As 19:00 h decidimos montar acampamento; em pouco tempo o ataque de pernilongos começaria e ninguém estava disposto a enfrentá-los. Pouco depois chegou a equipe de retorno; as notícias não eram nada animadoras. O dono da fazenda não permitia a entrada dos veículos para buscar as canoas na beira do rio; O Marcelo e o Pascoal tinham conseguido uma carona para sair da fazenda, iriam buscar os carros e tentariam alugar barcos motorizados, com pilotos que conhecessem o rio, para fazer o resgate por água.

As dificuldades e os esforços destes dois para nos resgatar é digno de um relato a parte. Mas o Marcelo tem uma característica, partilhada por muito poucas pessoas que eu conheço, que a confiabilidade; ou seja, se você estiver dependendo dele para alguma coisa, aconteça o que acontecer, ele fará o que for necessário e estará lá onde você necessita que ele esteja, na hora certa.

Acampamento

Voltando ao nosso acampamento: minha água havia acabado no meio da tarde; mas, contrariamente ao que já aconteceu em outras excursões, a água restante foi dividida irmãmente; fiquei com pouco mais de meio litro. Com isto não pude cozinhar, nem escovar os dentes; jantei um lanche frio e dormi com sede.

Acordamos cedo e após um breve café da manhã, resolvemos arrumar as canoas e esperar pelo resgate em uma pequena praia próxima, mais fácil de sermos encontrados.
Chegamos ao local as 8:30h e nos pusemos a esperar. Não havia nenhuma garantia de que ele realmente chegaria, pois muita coisa poderia ter acontecido aos dois que foram buscar os carros, inclusive não achar nenhum barco disponível, num espaço tão curto de tempo; mas, para nos, não havia alternativa a não ser esperar; sabíamos que o resgate não viria por
terra, só sobrava o rio. A água, novamente já tinha acabado.

O simples fato de esperar faz com que os minutos se alonguem e pareçam uma eternidade, a incerteza acrescenta uma boa dose de angústia à situação; porém, perto das 10:00 começamos a ouvir um barulhinho de motor e, depois de alguns minutos, surgiu por uma curva do rio o barco. Era o Marcelo. A sensação de alegria se mistura à de alívio, principalmente porque ele trouxe várias garrafas d'água, suficiente para saciar a sede de todos.

Passamos a maior parte da carga para o barco, para deixar as canoas mais leves e ágeis e nos pusemos a seguir o barco, que nos indicaria o caminho.

Curiosamente o caminho era exatamente pelas lagoas nas quais perdemos tanto tempo procurando; contudo, devido ao vento que arrasta os aguapés, os canais se fecham, impossibilitando a passagem. O barco, mesmo com um motor de popa de 25hp, tinha muita dificuldade em abrir caminho entre as plantas flutuantes. Tentávamos segui-lo o mais próximo possível, pois os canais rapidamente se fechavam, sendo que por mais de uma vez alguma da canoa ficou presa e teve que ser rebocada. Mesmo com o canal parcialmente aberto, o esforço exigido para fazer a canoa passar era enorme.

Depois de algum sofrimento, chegamos a uma grande lagoa aberta, que nos permitiu remar até um acesso, na beira da estrada, por onde tiramos as canoas e a carga e onde já estavam os carros.

Embora tenhamos chegado bastante perto, a almejada ponte
jamais foi atingida por nenhuma das canoas.

Cadê a ponte abrindo caminho

Fabio e Walter

Tormenta

Fabio Pupo Nogueira