Perguntas e Respostas: Qual a melhor sapatilha II? Imprimir
Escrito por Bito Meyer   
Qui, 17 de Setembro de 2009 19:31

                                   

kt

   É CLARO QUE É CALO

Todos nós gostaríamos de escalar com mais "liberdade e harmonia"; essa foi a tônica dos e-mails e das perguntas que eu recebi após meu texto anterior, "Qual a melhor sapatilha?". O curioso, é que as "curiosidades" e dúvidas que surgiram entre a galera são na grande maioria as mesmas:  "Como escalar melhor e encontrar a sapatilha certa, entre tantas?".

 comquista da pbranca-1980-com bkichut envenenado   kichute-ja foi o rei dos abismos

Bito na conquista da Pedra Branca(1980), Floripa com seu kichute envenenado "fabricação própria"

Pra vocês que estão começando a escalar agora e até mesmo pros "sem noção" e que me escreveram com tanto carinho e respeito, quero dizer que agradeço as considerações, mas estou longe de ser "o famoso ou o atleta" que vocês imaginam. Algumas pessoas escrevem para mim achando que correspondo a esse perfil e não é meu caso. Sei que tem pessoas que fazem de tudo para pagar esse tipo de mico e depois, voltar a sua insignificância, mas essa não é minha praia, nem nunca foi e nunca procurei esse tipo de "coisa" pra mim. Eu e alguns montanhistas no Brasil somos Bergvagabunden, (Vagabundos de Montanhas), somos a personificação de um personagem que nasceu junto com o montanhismo e o fato de eu ser um Montanhista há um tempo, não me dá nenhum tipo de autoridade ou superioridade, sobre nenhuma pessoa, animal ou entidade; mesmo porque, se eu fosse viver como essa pretensão, sendo um Montanhista, eu perderia o poder da invisibilidade e como vocês sabem, ser invisível, é mais importante, que ser famoso.  

Acredito que, na relação com montanhas e com o lado de fora é possível entender a vida além dos eletrodomésticos e do "vir a ser" e agora que eu não posso mais correr, acredito mais ainda; agora eu gosto de voar, então não posso andar pesado, então tenho que ser simples e ter os bolsos vazios e estar sempre pronto pro vento certo e esse, não tem hora marcada e...putz!...nem local. Na real eu sou "tipo assim",...campeão de erros "ortográficos", jovem para morrer e velho para o rock and roll. Sacô bicho, simples assim. 

 Por outro lado, não o da responsabilidade, é um prazer responder as perguntas; demoro um pouco para responder porque eu não sei escrever e "datilografo" com um dedo só e nunca sei onde estão as letras. Então vocês imaginam como é. Fico preocupado também, se vocês irão entender o que escrevo, pois, como passei minha infância na cidade mais "Gaudéria" ou "Galdéria" do Rio grande do Sul (o Alegrete), de lá eu trouxe meu sotaque sulino e esse jeito teatral de falar e de escrever e que me diverte muito e me apraz outro tanto, não sei se sou claro e entendido "tipo", mas báh!...tô tri ligado, mais atento que cusco no bote. Saco mano!?

Bom antes de tentar responder o que me vcs me perguntam eu tenho que dividir essa responsabilidade com vocês fazendo-lhes também, uma pergunta: "o que é responsabilidade na prática e no aprendizado de uma arte, com relação a historia e para com ela mesmo?". 

Agora sim,...Para ser um grande Escalador, Montanhista, ou um Guerreiro, é importante  antes, compreender o significado de duas palavras;_a primeira é "Liberdade", que é um estágio facílimo de ser atingido, o problema será você se livrar de você mesmo; a segunda palavra é Harmonia, já esta, é um estagio dificílimo de atingir, porque pra isso, primeiro você precisa de liberdade... Mas não se preocupe como que te digo, tudo vale a pena quando a alma é serena e o desejo de aprender é sincero.

asbotas rigidas erapossivel escalar sextograut   borzeguim

Botas rígidas e Borzeguim, era possível escalar 6 grau com elas

Quando eu comecei a escalar, em 1970, no Marumbi-PR, ainda pude ver pessoas usando às pesadas "botas cardadas", com "cardas", travas de ferro, que eram pregadas na sola das botas e que destruíam as agarras e tudo que pisavam; também nesta época, já existia um pessoal que não as utilizavam, por estes motivos.  No Brasil não havia calçado para escalar ou subir montanhas tínhamos, que buscar fora e eram caríssimos e existiam poucas opções de escolha, existiam as caras e pesadas botas de couro, rígidas e semi-rígidas ou as sapatilhas da época, as EBs, as PAs e outras e que eram na maioria semi-rígidas, acompanhando o conceito das botas rígidas (características que surgiram depois da segunda guerra, anteriormente, as sapatilhas eram macias e flexíveis), elas eram vulcanizadas e com uma sola muito ruim e desconfortável, eu mesmo só fui conhecer uma sapatilha dessas quando estive no Rio de Janeiro pela primeira vez em 1977 e as achei o maximo e revolucionário ter uma. Por sorte só as utilizei uma vez, em 1980, quando repeti pela primeira vez via Lagartão, no Pão de Açúcar e foi uma experiência desastrosa, as achei uma bosta, pois eu usava meus kichutes turbinados, que eram flexíveis e confortáveis".


 o conginha    all-star

Quem não podia comprar um bom calçado para escalar, mesmo porque eram raros, usava o sapato que tinha ou algum tênis da época. Escalávamos com qualquer "coisa", que ia desde coturnos militares de cano alto a o borzeguim que eram os mesmos coturnos, só que de cano curto, escalávamos com os tênis, Bamba, Kichute e Conguinhas e com esses tênis, aprendemos a escalar e com eles chegamos ao sétimo grau e algumas pessoas conseguiram passear pelo oitavo grau com um Conguinha no pé e com muita técnica, pode acreditar.

A partir de 74, eu comecei a que desenvolver os meus próprios tênis para escalar, em algumas utilizava os famosos solados vibram que conseguia muito raramente, quando uma alma bondosa trazia da Europa para mim e até 1980 eu já tinha utilizado todos os tipos de solados, encontrados no mercado das borracharias da vida . Usei solas de pneus de caminhão, avião, kart e correias industriais e que eram laminadas e moldadas para fazer minhas sapatilhas e os melhores resultados eu encontrei nas solas com borracha de pneus de avião.

pedra do urubu-rio de janeirokichutenvenenado        cachorrinho de madame 7a -1980-florianopolis

Bito, a esquerda na Pedra do Urubú, RJ com kichute envenenado e a direita no boulder Cachorrinho de Madame, 7a em Floripa(1980) com Conguinha

Escalamos muito com esses sapatos bizarros e com eles pudemos desenvolver escaladas, que foram além da escalada e da técnica que eram tidas como "normal" nos anos 70 no Brasil. Somente no inicio dos anos 80 eu vi pela primeira vez, numa das raras revistas de escaladas que até então apareciam, e dentro dela eu vi a foto de uma sapatilha chamada "Fire" da Boreal, esse modelo era a evolução do modelo que eu fazia de kichute e eu já á havia projetado em pensamento, era a evolução final da sapatilha que eu mesmo fabricava...Apaixonei-me por ela imediatamente, sem saber que ela já havia sido aprovada pelos melhores escalador da época, no mundo todo. Pirei na sapa mano! e passei a viabilizar a oportunidade de ter uma e só descansei quando coloquei-as no pé e disse a elas, surpreendam-me! Véio!!.. Surpreenderam!!...A Fire foi uma das primeiras e mais desejadas sapatilhas modernas (e com as desejadas solas de "goma cozida") e colocá-las no pé possibilitou uma nova relação com a escalada para a rapaziada da época. Quando coloquei uma Fire no pé pela primeira vez e escalei com ela, percebi que era possível ir longe com aquele tênis, e fomos. Os anos 80 foram os anos mágicos da escalada no Brasil e o que é feito hoje, em termos de dificuldades e exposição, já era feito na época e de maneira bem original; existem varias vias dessa época que são um marco para quem quer ter uma "escola sólida" e formar-se, um escalador e foram feitos alguns solos que deixariam algumas pessoas envergonhadas por terem aberto a boca para falar de escalada e quem dirá de montanhismo, na América do Sul.

Procedemos como um guerreiro, queremos ter sucesso na nossa escalada, quando você entra numa via, você não quer cair, porque pode ser perigoso, porque queremos ter êxito na nossa empreitada e em algumas vias não se pode cair. Tem  vias que passamos "de cara" e outras após muitas tentativas e ainda, outras se transformam em desejo, outras em desafio. Decoramos as vias, limpamos e marcamos as agarras (se forem vias esportivas), treinamos e fazemos tudo que podemos para "passá-las", às vezes, mais que tudo. É lógico que a escalada, assim como o montanhismo, não esta só fundamentada em êxito , assim como é lógico que temos esse "particular", que é mandar a via sem erros. Diz a velha frase, que uma escalada é feita 70% com os pés, seu pé possui milhares de sensores que passam informações precisas para seu cérebro; Se isso é verdade, e é, então a sapatilha é de suma importância e a sola de sua sapatilha que estará entre a rocha e seus dedos não poderá ser uma intrusa, ela tem que ser uma "aliada que une" o escalador a rocha, e você deverá saber como ela se comporta... Que dirá então, a sua sapatilha, aquela escolhida por você e com o solado que você quer...Bacana né!?...Rock and roll.

Solado é coisa seria e na maioria das vezes o solado é mais que tudo, é mais que o formato, se ta apertada ou não no pé; o que é fato é que, um solado com aderência ajuda e muito. É possível saber muitas informações precisas delas, se vai escorregar, quanto tempo você tem de aderência, se o seu pé esta bem posicionado, se você pisa com a ponta ou com toda a sola e por inúmeras vezes numa escalada, a sola do seu tênis é mais que força, quem esta acostumado a fazer escalada de aderência com exposição sabe do que eu estou falando.

russian slippers2     rrs

 Russian Sleppers   e RRS

 Hoje existem vários modelos de sapatilha e de solados e eles tem características próprias e "comportam-se de maneiras diferentes" frente uma mesma situação, com a influência do clima e é lógico, conforme o pé que esta dentro. Recentemente eu usei uma sapatilha de última geração, com uma nova fórmula de borracha para solados e usei-a na Patagônia e em Curitiba, tanto no arenito, como no granito e em dias muito frios, não gostei de como o solado "trabalhava" e o que é pior, esse solado não "avisa" que vai "escapar" e levei bons sustos com ele; jamais a usaria para solar ou para momentos de "precisão". Em climas quentes como o Rio de Janeiro esse tipo de solado terá uma performance melhor, acredito que até ótima, mas em lugares frios, ela pode ser perigosa".

 O fato de usarmos todos os tipos de sapatos nos deu uma "pisada firme" e aprendemos a trabalhar com os dedos dentro da sapatilha e com o tempo fomoss criando intimidade com as nossas sapatilhas e hoje, apesar de eu ainda desenvolver minhas sapatilhas "híbridas", é muito bom ter essas maravilhas que o existem  no mercado, cada qual com suas particularidades e solados. Entender como tirar melhor proveito de sua sapatilha e "escalar bem", é simples, mas leva tempo, é como saber o ponto da massa de um certo tipo de pão, ou a pressão que um cirurgião coloca na mão para fazer um corte no rosto de uma pessoa para "melhorar" sua aparência, ou até mesmo, como um arqueiro, saber a distancia de atirar a fecha na frente da ave para que elas se encontrem no ponto estipulado por ele, e ele, por sua vez "um aprendiz", fica ali  "parado" assistindo o "momento" criado por ele e que ainda esta por acontecer... Fala sério!!... isso é conversa pra maluco, não!!??... mas eu juro pra vocês, ...que é assim ...

Um bom escalador, saberá tirar proveito de qualquer tipo de sapato; é lógico também, que ele saberá usar os vários modelos que existem hoje em dia e conforme as melhores características de cada um, assim como ele terá, de forma "pessoal", uma sapatilha (um modelo) que ele utilizará com polivalência. Essa escolha é uma das "sutilezas" da relação íntima com a arte e com a técnica.

Se uma sapatilha deve ser apertada, simétrica ou assimétrica, com cadarço ou com elástico, o que irá determinar isso é a sua experiência e sua técnica pessoal, é a sua relação direta com a escalada que vai determinar esse tipo de "preferência" e tudo isso vem com o tempo. É como no judô, no basquete ou na sinuca, é arte; você estará à mercê do tempo para aprender a escalar de verdade, tem pessoas que não percebem que a escalada tem etapas e graduações e que é como nas artes marciais, é possível ir além da atividade e da força; tem pessoas que mandam "altos graus" e são muito fortes e ficarão sempre na mesma "faixa", com seu raciocínio musculoso, competindo consigo próprio, sendo superado por crianças e velhos, enquanto o mundo acontece.

Bom...(acordar cedo, respirar pelo nariz, também faz parte) para vocês que me escreveram, quero dizer que neste momento da vida de vocês, em relação à escalada e as montanhas, o importante a saber, é que vocês podem tudo, "inclusive" cuidarem uns dos outros, com respeito e admiração, não existe "chefe". Sobreviver e evoluir é que é fundamental, e será somente no futuro, que o montanhismo e a escalada irão realmente se revelar a vocês, presenteando ou cobrando os que lá chegarem e o "lá" é um lugar muito longe e às vezes leva-se quase uma vida para fazer esta caminhada. Agora o importante é saber que escalar montanhas, rochas e rochedos é um "exercício fantástico e revelador"(como sempre digo) e que é praticado de forma esportiva, intelectual, espiritual e cuidado com carinho e esmero há centenas de anos, por pessoas especiais e que agora vocês fazem parte deste grupo.

Não deixem de ler a respeito deste "universo" e de obter informações de quem tem a "real experiência", não acreditem em "super homens", ninguém tem "três cõcos". O "super lance", o "puta grau" que vocês querem "mandar" é fácil, mole, basta você fazer o que os "feras" fazem: malhar e decorar todos os movimentos, até seu corpo assimilar, dormir embaixo da pedra, até a própria pedra se aborrecer com sua presença (isso ajuda a pedra a ceder), limpar e marcar todas as agarras, se possível malhar muito os movimentos em casa ou academia, daí pra frente é pessoal e entra muito de suas particularidades "biológicas e psicológicas" e como sempre, de tempo, alguns mais, outros menos e cuidado para não se machucarem, pois se isso acontecer, as chances de você se recuperar de forma correta serão poucas, devido a desinformação; agora, o escalador que vocês querem ser (um dia), consiste em exercitar-se a "poucos metros do chão" e escalar "alto" e encordado a seu companheiro; é esse, "o caminho" mais curto e seguro para entrar em "sintonia com a escalada" e de "acontecer" com que sua sapatilha torne-se "parte do seu corpo", assim como a espada "é" um alongamento do braço do guerreiro.

 uma das verses da fire cokm seu bico mais arredondadofires   pa personalisado

Uma das versões da Fire com bicos mais arredondados e PA personalizado

botas com solados vibram   bambinha

Botas com solado Vibram e Bambinha

mauricio lagoinha    escalador dos anos 70- com as ebs

Mauricio Meyer na Lagoinha do Leste, Floripa com kichute 1980 e escalador dos anos 70 com as Ebs

images   gullich com fires no solodasepareit

Mais uma versão do kichute e Gulich solando com Fire a via Separate Reality

Última atualização ( Seg, 07 de Junho de 2010 11:31 )