Cadastre-se e receba com exclusividade nosso informativo de novidades por e-mail!

DEUS, O DIABO E O TREKKEIRO NA TERRA DO SOL - Página 2 PDF Imprimir E-mail
Seção: Trekking - Categoria: Geral
Escrito por Jorge Soto   
Qui, 07 de Maio de 2009 23:18
Índice do Artigo
DEUS, O DIABO E O TREKKEIRO NA TERRA DO SOL
PÁGINA 2
Todas as Páginas

 

msanto


Nova curva, agora pra direita, subindo a crista da serra ate o fim em terreno relativamente plano. Minhas costas estão empapadas de suor, mas ainda assim mantenho meu ritmo de ascensão constante. No caminho, cruzo c/ um senhor e seu filho q sobem o morro como exercício matinal, programa típico dali. "Ta pagando promessa c/ seu para-quedas?", me pergunta. Respondo q de certa forma, sim. Após metade do trajeto sou brindado, alem do belo visu, com uma refrescante brisa q alivia meu semblante ofegante. Os horizontes se ampliam consideravelmente e, num penoso e extenuante esforço, subo os últimos degraus daquele caminho sacro, ate finalmente alcançar o alto do Morro do Monte Santo, quase uma hora após galgar o primeiro degrau daquela escadaria interminável. Largo minha mochila na ultima capela e dou um rápido visu na bela Igreja de Sta Cruz, q nomina o caminho, por sua vez criado justamente pela sua semelhança com o calvário de Jerusalém. A igreja esta trancada, mas pela janela consigo ver o q deve ser a Sala dos Milagres, onde dezenas de velas, tulhas de ex-votos de madeira e recibos de promessas cumprida se juntam à cera derretida em novelos presos a barbantes, forrando as paredes. Assim, tomo meu merecido café-da-manha sentado numa muretinha de pedregulhos, enqto chegam jovens em trajes de ginástica, se alongarem, pra em seguida retornarem escadaria abaixo. A paisagem daqui é mto bonita. Assim como Glauber, q subiu o morro afim de buscar locações p/ seu filme, acompanhei o sol se firmar sobre a horizontalidade da vasta planicie de tons monocromáticos ocre-acizentados q se estende ate onde a vista alcança, pipocada por pequenos espelhos d'agua de açudes, refletindo um ceu azul intenso e isento de nuvens. Ao longe, avistam-se os lajedos bege-claros sem fim onde foi rodada a cena do monólogo de Corisco. La embaixo, a cidade em miniatura se espraia e a igreja matriz, diminuída, parece caber na pta do dedo começando mais um novo dia.
Mas o tempo urge e é hora de descer. Logo o sol vai começar a açoitar a pele s/ dó, e o vento carregar uma "quentura" q mais parece o "bafo do demo", como dizem aqui. Fazer este caminho à tarde é tecnicamente impossível devido ao calor sufocante, a menos q se seja um bode ou um calango. Daí q qq incursão ao topo é feita nas primeiras horas da manha (ou final da tarde), já q as romarias praticamente são feitas à noite. Na descida, o movimento aumenta de tiazinhas e tiozinhos em sentido contrario, q olham c/ curiosidade o meu "para-quedas". Fico imaginando o formigueiro humano q ali deve se tornar na Semana Santa.

Assim vou perdendo altitude aos poucos, enqto atento c/ cautela aos degraus irregulares e trechos mais íngremes do caminho, e em menos de meia hr estou outra vez ao pé da serra, respirando aliviado. Me dirijo a um boteco do lado da pca central, onde as 8hrs - pelas informações colhidas - parava condução rumo Euclides da Cunha, e dali prosseguir minha jornada sertão adentro. Enqto aguardava conversei c/ a simpática atendente do bar, q me contou q ali td mundo tinha um velho parente ou conhecido q havia "aparecido" no filme e q guardava boas recordações daquele ano em q "fazer figuracao era a atividade mais bem paga naquelas bandas". E não é pra menos, o clima hostil e o solo agreste continuam os mesmos, permitindo uma fonte de renda limitada, qdo dá; restam pequenas roças de subsistência de milho, mamona, feijão, sisal, criação de bodes, trabalho temporário em gdes fazendas, q alem de deter açudes permanentes se encarregam de grilar o resto de terra q sobra, etc. S/ mencionar nos ônibus lotados de "Severinos" q partem diariamente rumo as gdes metrópoles na busca de vida melhor, sendo q metade deles retornam, desiludidos. Nesse contexto de pobreza, resta o consolo na fé, na devoção e no fervor religioso, q aqui sim são o ópio do povo. Os anos se passaram e a embalagem da cidade pode ter mudado, mas sua essência continua a mesma. Isto é, a imensurável fé sertaneja e os infortúnios do homem nordestino continuam sendo dignamente retratados no filme de Glauber. Agora compreendo seu status de "clássico" do cinema nacional. Da mesma forma, existem peregrinações de vários tipos, de cunho religioso, histórico, ecológico, filosófico, etc. Uma visita a Monte Santo e seu "Caminho da Sta Cruz" preenche estes três primeiros quesitos. Só assim percebe-se q o sertão, c/ sua dramática e triste sina de sol e seca, pouco mudou desde seus dias de grandeza cinematográfica.

Jorge Soto
http://www.brasilvertical.com.br/antigo/l_trek.html

 
Apoio
Divulgação
© 2008 - Brasil Vertical Escalada e Montanhismo