A Juatinga é mais uma dentre outras maravilhas naturais que fazem a fama do estado do Rio de Janeiro. Belas e despoluídas praias e vegetação exuberante em meio a muitas montanhas tornam o lugar especialmente atraente para quem curte atividades na natureza. Por tudo isso lá estive algumas vezes fazendo circuitos parciais e completos pela orla marítima, mas faltava conhecer os 3 pontos culminantes da regiao e, de preferência, traçar algum roteiro novo que englobasse o que a Juatinga oferece de melhor: praias, cachoeiras e poços, matas e, principalmente, montanhas...
Fotos por Thunder: clique aqui
Dos três pontos culminantes da Juatinga, o Jamanta (1.091m) e o Cairuçu (1.093m) são os mais altos e conhecidos. Ambos são de acesso bastante difícil e muito poucos chegam ao topo. Em oportunidades anteriores já tinha feito duas tentativas de ascensão, uma a partir da praia da Ponta Negra e outra pela praia do Sono. Em ambas cheguei bem próximo aos cumes, mas por motivos diferentes acabei não fazendo os trechos finais. A partir da Praia do Sono havia chegado bem próximo ao topo do Jamanta em uma dura incursão onde fui obrigado a abortar por absoluta falta de tempo, já que era um bate e volta de reconhecimento em que dispúnhamos de um dia apenas, empreitada dura que começou as 8 da manha e terminou quase meia noite, evidenciando que empreitada de um dia ao Jamanta é algo inviável, principalmente se for exploratória, como no nosso caso. Na tentativa do Cairuçu foi uma situação parecida: em uma ocasião cujo objetivo era fazer a volta completa da Juatinga, resolvemos dar uma explorada em uma variante que saia da trilha principal, na região da Ponta Negra, logo percebemos que seguia rumo ao Cairuçu e, empolgados na esperança de fazer cume, seguirmos em frente. Além de não conseguirmos, nos enrolamos na volta e chegamos também bem tarde da noite. Tempos depois retornei decidido e, finalmente, fiz cume do Cairuçu e ainda completei uma travessia pelas cristas da Juatinga em direção a praia do Sono. O Jamanta era parte do plano já que ficava na crista onde passaríamos, mas mais uma vez tivemos que passar batido pela base (1.015m) por falta de tempo, pois os dois dias que dispúnhamos foi apertadíssimo para essa empreitada exploratória de vara-mato puro. Outra pendência que teria que “resolver” cedo ou tarde, rs..
O jeito foi “arrancar” uma data do calendário. Aproveitando 4 dias que tinha disponível em janeiro, decidi resolver as minhas “pendências” de cumes na Juatinga e emendar com um projeto que há tempos queria por em prática: fazer um circuito exclusivamente terrestre (sem barco) que partisse de Laranjeiras em direção a praia do Sono, subisse daí ao Jamanta e dele descesse direto para o Saco de Mamanguá, retornando por terra de volta a Laranjeiras. O objetivo era tentar fechar um circuito bem variado que pudesse ser repetido sem grandes dificuldades por outros “trekkeiros” e que englobasse praias, cachoeiras, florestas, montanhas, restinga, mangue e também a passagem pela aldeia guarani do fundo do Mamanguá, que fica bem isolada e deveria ser muito interessante conhecer.
Já conhecia a subida ao pico do Jamanta pela praia do Sono de outra ocasião, assim como uma picada abandonada q sai do fundo do Mamanguá e segue direto ao Sono, além da trilha bem batida que liga o fundo do saco a Laranjeiras, essa popular e conhecida pelos trekkeiros que esporadicamente andam por lá. Para fechar o circuito faltava explorar alguns trechos, como a parte final da subida ao cume do Jamanta, a longa descida direta ao Mamanguá e uma possível alternativa para contornar o mangue do fundo do Saco para dalí retornar a Laranjeiras. Os trechos preocupantes eram a descida do para Mamanguá e, principalmente, contornar o mangue por terra, o que já havia tentado no passado sem sucesso. Para nossa trip estudei com detalhes cartas topográficas e fotos de satélite e a partir delas tracei possíveis trajetos que nos orientassem pela mata fechada. Além disso também contava com o apoio do companheiro Thunder que já havia feito o trecho da subida/descida do Jamanta a partir do Saco de Mamangua no ano anterior e estava confiante que esse conhecimento pudesse ser útil nessa etapa, apesar dele coletado tracklog algum, pois o gps que usava na época não funcionava dentro de mata fechada. Como começaríamos esse trecho a partir do cume, contava com ele para localizar o ponto correto do inicio da descida. De qualquer forma, aparentemente tudo indicava que esse trecho não nos traria maiores dificuldades e nos levaria direto à aldeia guarani no fundo do Mamanguá.
Mas seria da aldeia dos índios que partiríamos para o nosso maior desafio: contornar o mangue por terra firme, já que ele é cercado de montanhas e vegetação bastante densa. Sabia que seria uma tarefa difícil, pois em tentativa anterior não consegui ter sucesso. Mesmo na ocasião já tendo a informação prévia dos habitantes locais de que não havia caminho por terra, insisti em tentar encontrar algum caminho, mas cedi as evidencias: a mata na borda do mangue é tão intrincada de raízes e espinhos q o avanço era quase impossível, pelo menos no trecho em que nos encontrávamos na época, o que nos obrigou então a seguir para a outra margem do Saco por dentro do mangue, uma aventura emocionante e um tanto quanto suja, mas muito interessante no final http://angelozip.multiply.com/photos/album/18/Circuito_Juatinga_Ma-mangue
Entretanto, como um dos objetivos era tornar essa travessia conhecida e factível, a opção de cruzar o mangue, além de repetitiva não seria viável para a maioria que pretendesse repetir o trajeto, devido às dificuldades típicas de mangue: atoleiros fétidos, fauna intimidadora (jacarés??) , travessia de rios.. e por isso a intenção era evitar essa opção a qualquer custo. Mesmo já conhecendo o tamanho da encrenca in loco, isto é, inexistência de caminho por terra, achava “impossível” não haver pelo menos uma picada da aldeia em direção ao Sono ou Laranjeiras, afinal são apenas pouco mais do que 8 km até o trilhão que leva a Laranjeiras. Desta forma contava com a possibilidade de conseguir com os índios a preciosa indicação da presumida picada. Pelas fotos de satélite pude ver, além das casas dos índios, dois objetos de formato regular ao longo do possível trajeto: um evidente em meio a pequeno descampado e outro minúsculo q poderia ser qualquer coisa, mas que supus ser um casebre ou algo do tipo. A partir da aldeia fui traçando uma rota em cima do que mais se assemelhava a vestígios de caminho ligando um casebre ao outro a partir da aldeia. Chegando ao ultimo presumível rancho já estaria próximo ao morro onde passa uma picada que liga o fundo do Mamanguá à Praia do Sono, já conhecido de outra oportunidade, e provavelmente teria no máximo uns 700 metros de vara-mato até a trilha.
O planejado era sair da praia do Sono, subir até a cota dos 1000 metros no primeiro dia, fazer pico do Jamanta e perambular pelas imediações no segundo, descer para a aldeia no terceiro e fazer a borda do mangue no quarto, tudo com certa folga para q os objetivos fossem alcançados. Entretanto começamos não muito bem: logo na saída de São Paulo perdi a hora para levantar e partimos da cidade com umas 4 horas de atraso. A consequência foi que começamos a caminhar a partir de Laranjeiras, no município de Paraty, super tarde, por volta das 14,30 horas, o q significava que seria impossível chegar ao pico do Jamanta no primeiro dia, paciência... Caminhando rápido e com sol a pino, partindo de Laranjeiras, em menos de 1 hora já estávamos no Sono (4 km) prontos para pegar o emaranhado de trilhas locais e chegar na picada q efetivamente sobe a montanha, mas antes de sair não deu para resistir às pitangas gigantes, doces e suculentas, que abundavam nas arvores da praia. Assim que nos satisfizemos não mais perdemos tempo. O caminho inicia-se em frente ao telefone publico no centrinho da praia do Sono. De lá se deve seguir pela trilha do Cachoeirão, um caminho bem conhecido dos locais. Até chegar a picada que sobe a serra são várias bifurcações que realmente confundem, mas basicamente o caminho segue o vale acompanhando o riacho Jamanta até por volta da cota de 170 metros, em que sai uma picada à direita, rumo leste, em direção a crista que nos levará ao pico do Jamanta. É bom lembrar que é um desnível respeitável, em que se parte da cota zero para 1.091 metros. A picada segue morro acima razoavelmente delineada, ainda no domínio do uso local, mas na cota dos 300 e poucos metros some e daí até pouco acima dos 535 metros é vara-mato, mas sem grandes dificuldades desde que se esteja orientado (carta, altímetro, bussola..), sem o qual se corre sérios riscos de se perder em meio a vegetação alta e densa, sem qualquer referencial visual. Quem for muito atento poderá notar algumas marcas de facão pelo caminho. O tempo passava rapidamente e considerávamos duas possibilidades: acampar em um selado na cota dos 480 metros a frente, que eu já conhecia e parecia viável, ou seguir mais algumas horas caminhando a noite, pois a partir dali seguiríamos por uma crista bem mais definida e com o caminho mais nítido, viável de se fazer a noite com boas head lamps. Entretanto, quando chegamos ao ponto de acampamento no selado, 3 horas a partir do Sono, a maioria decidiu sabiamente estacionar por ali mesmo. Consultando a carta do IBGE deu pra perceber que havia água nas proximidades, ou melhor, na vertente noroeste da montanha. Fomos conferir e em pouco menos de 100 metros de caminhada fácil a encontramos. Era quase 8 horas da noite (horário de verão) e os últimos raios de luz penetravam entre as copas das arvores. De volta às mochilas preparamos o terreno que acomodou razoavelmente as nossas 3 barracas, nos fartamos de um bom jantar e fomos dormir torcendo para que o tempo seguisse firme.
No dia seguinte o bom tempo nos animou e conseguimos levantar acampamento por volta das 8 horas da manha rumo ao pico. A partir dali sabia q a subida seria árdua, mas confortava os demais (Thunder e Ericson) com o fato de que a partir do pico não haveria mais esse tipo de sofrimento, pois praticamente só descida nos aguardava. Em ritmo forte, por volta das 10,30 chegamos à cota dos 972m, uma pequena clareira que acomoda umas 3 barracas. Dali não conhecia o caminho ao pico, que dista 300 metros do local e a pouco mais de 100 metros de desnível. Conhecia somente a crista que seguia paralela ao litoral no sentido da Ponta Negra e o ponto de água em um vale acessível a partir dela, frutos da minha ultima exploração por lá. Esse era o ultimo ponto d’água q tinha conhecimento e, portanto, deveríamos nos abastecer para pelo menos um dia e meio, já que água mesmo, somente bem abaixo do Jamanta, na descida para a aldeia, segundo o Thunder. Uma preocupação grande dos que sobem ao Jamanta é água, que pode inviabilizar totalmente uma longa travessia como a que nos propusemos. Conhecidos que lá subiram tentaram repetir essa trip com o meu tracklog não conseguiram encontra-la, abortando a travessia. A água esta lá, basta ter disposição e traquejo para saber encontra-la, pois fica no fundo de um grande vale de captação que é nascente de um dos maiores rios da Juatinga, que vai desaguar em Martin de Sá. Além de que foi dito recomendo também não se confiar cegamente na precisão de GPS, que em certas circunstâncias podem apresentar desvios consideráveis, seja no momento em que são coletados os pontos do trajeto, seja quando utilizados como referencia de localização, pois condições atmosféricas (nuvens carregadas nos cumes), vegetação densa, vales profundos ou uma combinação desses fatores podem levar a erros de dezenas de metros no posicionamento. Devem ser utilizados apenas como uma referencia a mais, dentre outras alternativas de instrumentos, mapas e conhecimento.. principalmente para quem necessita fazer uma navegação técnica. “Faro” é para índio e mesmo assim, para os de filme.. Para quem não concorda basta ver o nível de “perdidos” e erros de localização para conferir..
Em função do atraso inicial, nossos planos já haviam mudado um pouco e ficaríamos somente uma noite acampados no pico, pois já estávamos no segundo dia. Abastecidos de água partimos então de volta a clareira para encontrar um caminho para cume. Como havia picada até aquele ponto, algo que não havia há quase 2 anos qdo estive ali, presumi que deveria haver também até o pico. Rapidamente constamos q havia sim, tênue, mas estava lá. Fomos então seguindo a dita cuja, q por sinal estava em cima da previsão de caminho que eu havia plotado. Assim, logo chegamos na base do pico, mas havia ainda um desnível em torno de 80 metros para vencermos, que não parece muito, mas no caso era consideravelmente íngreme, mas viável de subir com cargueiras. Alguns pontos de confusão e finalmente chegamos em um topo rochoso, que segundo o GPS poderia ser o “Jamanta”, mas o Thunder, que esteve no pico em setembro do ano anterior, teimava que não era ali que havia estado... caramba! O jeito então foi seguir para um topo um pouco mais alto logo a seguir e fomos em frente, esperançosos de achar o tal rochoso. Chegando nesse topo não havia visual, muito menos rochoso, e continuamos seguindo a crista por entre arbustos espinhentos e algo pisados, até vislumbramos q estávamos em um dos 3 picos mais altos da Juatinga, esse sim o verdadeiro cume do Jamanta. Os outros eram distantes e também cobertos por mata, ou seja, tudo indicava que o rochoso q estivemos antes era mesmo o local de acampamento no topo, vulgo Jamanta, mas mesmo assim seguimos explorando adiante na esperança de encontrarmos a tal pedra que o Thunder tinha estado meses antes. Depois de um bom tempo caminhando e se sem sinal do tal local, voltamos ao rochoso inicial e nosso amigo analisando melhor a paisagem, agora com o tempo aberto e consultando mais detalhadamente a memória confirmou q era ali mesmo, ufa!! Um dos motivos da confusão é que havia crescido muita vegetação no entorno, segundo ele, e o outro é que as nuvens encobriam referencias quando havíamos passado ali, tudo bem, estava desculpado, pois minha memória também não é das melhores..
Desculpei, mas continuei duvidando da qualidade do “chip” de armazenamento dele, rss.. já descartando a hipótese de que ele se lembrasse do ponto em deveríamos baixar em direção à aldeia depois de algumas tentativas frustradas que fizemos nesse dia. O jeito então seria recorrer as minhas plotagens de caminho presumido que havia preparado, mas isso era preocupações para o dia seguinte. Nesse dia como retornamos cedo à pedra, algo em torno da 16 horas, tivemos tempo de sobra para curtimos o lugar. Depois de uma breve e civilizada disputa territorial, com cara feia e olhares ameaçadores rss.. para escolhermos o melhor local de acampamento no exíguo espaço disponível, que no máximo acomoda 3 barraquinhas, pudemos montá-las com a maior calma. Surpresa mesmo foi a decisão do Ericson de armar sua barraca antes da subida do pico, um pouco longe dali, argumentando que iria dormir super cedo (19hs) e que não aguentaria nosso bla-bla-bla até tarde... Bom, o mínimo q tínhamos a fazer seria respeitar, cada um com suas manias. Passadas algumas horas, entretanto, eis q o Ericson estava de volta, pois havia ouvido vozes e ficara preocupado.. No meu caso, eu ficaria preocupado se tivesse ouvido rugidos, grunhidos, rss... Tivemos sorte, pois as nuvens dissiparam-se nesse fim de tarde e fomos brindados com um belíssimo por do Sol. Via-se nitidamente Parati, parte do Saco de Mamanguá, o continente e várias praias do lado do mar, além de cidades longínquas q vislumbramos a noite que, pela quantidade de luzes, deduzimos serem possivelmente São Sebastião e Ilha Bela.
A intenção era acordar bem cedo no dia seguinte para não perder o nascer do Sol, mas devido a uma informação furada de alguém de que o tempo estava fechado, acabei perdendo a oportunidade e dormindo um pouco mais. Já o Thunder foi mais ágil, despertou na hora certa e não perdeu o belo visual. Estávamos no terceiro dia, mais uma vez com tempo firme, poucas nuvens, muito sol, tempo animador e novos desafios a vencer: o mais importante seria achar o ponto e da descida para o Mamanguá, o que já havíamos tentado encontrar no dia anterior nas nossas andanças pela crista, sem resultado. O segundo desafio seria chegar ao Saco de Mamanguá até o final do dia, objetivos difíceis e incertos.. Saindo do Jamanta pela crista, sentido norte, tentávamos achar qualquer coisa q seria indicio de picada, mato amassado, pegadas ou algo q sugerisse um sentido para baixar ao Saco. A primeira possibilidade foi uma picada que da em um campo de bromélias, que batia com a memória do Thunder, mas que logo se revelou uma furada pois não dava em nada. Na falta de outra pista o jeito foi encarar um vara mato mesmo, muito bambuzinho, vegetação arbustiva densa e ralação de primeira, mas pelo menos estava seguindo um rumo pré-traçado que nos levaria, teoricamente, a interceptar uma crista descendente um pouco mais abaixo que havia plotado. Nesse emaranhado de arbustos, bambus e espinhos eu fui o único que estava a caráter desde o inicio: calça grossa, camiseta de manga comprida, luvas, chapéu. O Thunder estava de camiseta de manga curta e o Ericson de bermuda. Todos foram avisados do que poderiam enfrentar e de como deveriam se vestir. O resultado final foi previsível: os bambus-lixa e capim navalha deixaram marcas inesquecíveis nos braços, pescoços e pernas dos nossos amigos e eu fui o único a sair ileso, apesar de ir na frente abrindo caminho, rss....
Avançando em meio ao emaranhado arbustivo, em pouco mais de meia hora, aproximadamente, encontrei mato amassado: era a picada de descida, uhuhu!! Qdo todos chegaram fiz questão de deixar a mochila ali e subir novamente por esse caminho até interceptar a picada da crista, onde havíamos andado no dia anterior para poder deixar registrado um tracklog correto. Dito e feito, subi até interceptar o caminho por onde havíamos andado no dia anterior e marquei devidamente o ponto correto de descida, por sinal, imperceptível, e voltei de encontro aos amigos que me aguardavam preocupados achando que eu havia demorado muito. Seguimos descendo tranquilos e confiantes que a picada permaneceria assim definida e nos levaria facilmente à aldeia. Doce ilusão, depois de algum tempo começaram a aparecer os probleminhas, os vestígios somem em trecho de mata mais aberta e as coisas começam a ficar mais difíceis. Chegamos a um ponto em que o Thunder reconheceu o bivak q fez na sua ultima incursão, mas sua memória ficou só nisso, rss.. e tivemos que ralar muito para encontrar o caminho em vários trechos, ora procurando algum mato cortado, ora pisadas, ora caminho mais provável.. Por volta da cota dos 350 metros, encontramos água e fizemos nossa primeira parada para descanso e reposição das energias. Eram 13 horas e ainda tínhamos um caminho incerto pela frente, apesar de havermos baixado bastante. Desde algum tempo a vegetação tinha mudado de arbustiva para arbórea, muito mais fácil de caminhar, mas também infinitamente mais fácil de se perder, pois não ficam quaisquer vestígios de pisadas, as copas das arvores são densas, nada de visual, é navegação pura.
Logo depois do regato em que paramos para descansar, antes mesmo de partirmos e exatamente por onde passaríamos, em uma pequena fresta entre as copas em q o Sol penetrava, o Thunder deparou-se com a primeira cobra da viagem: uma enorme bicha esverdeada de mais de 2 metros de comprimento. Putz, realmente fiquei preocupado e passei a tomar muito mais cuidado, já que era eu que seguia na frente. Nesse trecho o piso é o típico de matas fechadas: altas arvores em que o Sol não penetra e um colchão de folhas caídas apodrecidas, um lar perfeito para repteis.. Com meu fiel cajado usado como batedor e arma de defesa, segui muito mais atento rumo ao nosso objetivo.
Adiante mais pontos de confusão por volta da cota dos 220m, onde tem alguns pequenos cursos de água e mini vales, e logo começamos a encontrar vestígios de picadas, mas confusas e que não seguiam para o nosso rumo. Depois de outro pequeno vara-mato rumo ao topo de uma crista secundária, finalmente começamos a ver vestígios mais evidentes de caminho. Na medida em que baixávamos eles iam ficando mais nítidos, fazendo crer q nos aproximávamos cada vez mais da “civilização”. Em pouco tempo notamos q a vegetação já não era primária e logo começamos a ter visual mais aberto do fundo do Mamanguá, um grande alívio por estarmos completando a etapa planejada para o dia. Particularmente tinha grande curiosidade em conhecer melhor a aldeia dos índios guaranis, pois da ultima vez q lá estive não havia ninguém no local, somente cachorros, roupas nos varais mas nada de gente. Tudo indicava que a aldeia inteira havia ido para Parati vender seus artesanatos no feriado.
Nosso primeiro contato com a “civilização” foi ao nos aproximarmos do primeiro poço do lugar, onde algumas pessoas se banhavam. Imundos, suados e sedentos chegamos ali e fizemos questão de entrar de roupa e tudo na água para uma “lavagem” completa.. Os poucos banhistas eram turistas que haviam chegado de barco. Em meio a eles havia um índio apenas, que por sinal era o guia do grupo, e não perdi tempo em ir falar com ele, pois estava muito interessado em saber sobre a existência de alguma picada que contornasse o mangue em direção a Laranjeiras. O índio super boa gente, que se chama Afonso, foi bem atencioso. Da rápida conversa vem a primeira decepção: ele garantiu com certeza que não havia qualquer havia trilha ou picada saindo dali contornando o mangue até Laranjeiras ou Sono. O único caminho seria por dentro do mangue (que eu já havia feito há um ano) ou de barco para atingir a outra margem do Saco. Não tivemos tempo de conversar mais, pois ele tinha que levar seus turistas de volta a Parati-Mirim na sua “voadeira” , uma bela lancha de aluminio com motor de 25 hp, tudo novo, pode? E eu pensando que eles usavam aquelas pirogas feitas de troncos de arvores, kkkkk.. Como ele deveria voltar só no dia seguinte para a aldeia fui sondar as imediações. Outra vez fui nas choças precárias deles e nada de gente, mas subindo morro acima fui dar em outra habitação e lá havia duas índias, a mulher do Afonso e sua filha de 15 anos com seu filhinho. Infelizmente também não consegui muita informação com elas, que estavam um tanto quanto temerosas frente a uns “homões” sujos. Elas apenas confirmaram que não havia caminho para Laranjeiras ou Sono, mas depois de alguma insistência da minha parte confirmaram que havia dois ranchos abandonados no sentido do fundo do saco, o que batia com o q levantei das fotos de satélite, um alivio! O problema é que somente o Afonso sabia o caminho dos ranchos e falar com ele só quando voltasse no dia seguinte.
Como deveríamos acampar nas imediações, fiquei esperançoso de no dia seguinte poder voltar a conversar com ele e conseguir alguma preciosa dica, pois seguramente não haveria tempo de abrirmos trilha, pois sabia de antemão como era emaranhada a vegetação do entorno do mangue, o que poderia demandar um ou dois dias a mais de muita ralação. Não era tarde, o dia estava super aberto, horário de verão com luz até as 8 horas, e resolvemos procurar uma trilha que também tinha vislumbrado no Google Earth que ligava a região da aldeia a uma pequena praia que ficava nas imediações, que poderia ser um ótimo local para acampar. Essa trilha teoricamente deveria ser fácil achar, mas na prática não foi bem assim. Por sorte, o dono de uma pousada que estava por ali com seus turistas, indicou onde começava o caminho, o que facilitou bastante e certamente nos poupou tempo. Com essa informação foi tranquilo, vencemos um morro e logo baixamos para a praia. O Thunder, que já havia feito esse caminho, só se convenceu que era por ali mesmo quando viu um barco naufragado na praia, rss... Um pouco antes de chegar à praia, ainda na descida do morro, tem uma casa abandonada ao lado da trilha que é um lugar perfeito para acampar, bem melhor que a praia, adiante direi porque. Também tivemos a sorte de achar uma bananeira com banana prata madura, uma iguaria depois de tantos dias sem frutas..
Ao chegarmos a praia repleta de altos coqueiros carregados, mas inatingíveis, logo constatamos que a única casa do lugar também estava fechada e não havia caseiro no entorno, um alívio, pois pelo menos poderíamos acampar na praia sem sermos incomodados por ninguém. Tranquilamente fomos escolhendo um lugar para armarmos nossas barracas em um piso gramado junto a areia, mas logo nos demos conta que teríamos muiitos problemas. Começamos a ser atacados por nuvens de “pólvorinhas”, aqueles minúsculos mosquitos sanguinários que infernizam a vida de qualquer um. Já tinha ido outras vezes ao Mamanguá, mas não tinha tido essa desagradável experiência. Pólvoras são mais frequentes próximos ao mangue em determinadas fases da Lua e, certamente, essa era uma das conjunturas favoráveis a eclosão desses bichos. Mesmo eu estando de calça, camiseta comprida, chapéu e luvas fui picado aos montes, pois eles entravam por qualquer espaço disponível na roupa. Repelente pouco resolveu, foi tudo muito rápido e não via a hora de terminar de armar minha barraca e sair dali. Tomei o máximo cuidado para não abri-la, pois sabia que poderia ter uma noite infernal se fizesse isso. Sabia também q os bichos atacam no por do sol, por isso depois que terminei a montagem levei minha mochila com tudo para junto da casa em uma área cimentada de onde irradiava um calor terrível que repelia naturalmente os insetos e onde pude cozinhar (e ser cozinhado, rss) e ‘respirar’ melhor. Bem mais tarde da noite voltei para a barraca onde rapidamente entrei e me “tranquei”. Mesmo com todo o cuidado, ainda tive que “caçar” alguns pólvoras perdidos q conseguiram entrar comigo. Felizmente a trama da redinha do respiro da minha barraca é minúscula e os micro-insetos não passavam por ela.
A noite foi tranquila, mas estava bem preocupado sobre qual opção seguir no dia seguinte, o quarto e, necessariamente, ultimo dia da nossa trip. Como já tinha a prévia informação do índio Afonso de que não havia caminho por terra e em função do pouco tempo disponível essa opção era a menos provável das três disponíveis, pois abrindo caminho na mata a facão avançaria muito lentamente e não venceria o trecho em 1 dia de jeito nenhum. A opção mais fácil e menos emocionante seria seguir conseguir um barco para nos atravessar para outra margem onde há uma trilha batida até Laranjeiras. A ultima opção seria atravessar o mangue na raça. Entretanto eu ainda nutria esperanças de conseguir fazer o trajeto inicialmente planejado, contornando o mangue. A informação do dia anterior que a índia nos deu, confirmando a existência de dois ranchos, coincidia com a minha plotagem e me animava um pouco. Também esperava encontrar o índio Afonso para que nos desse a dica de como chegar nesses ranchos.. A decisão de qual caminho seguir dependeria do tempo também: se estivesse chuvoso sem dúvida iríamos cruzar o Saco de barco até Currupira e de lá por trilha de volta a Laranjeiras, a alternativa mais rápida. Com tempo bom poderíamos tentar encontrar o caminho procurando picadas ou, melhor ainda, seguir alguma possível dica dada pelo índio.
Apesar das nuvens do final do dia anterior prenunciarem mudança de tempo, mais uma vez fomos contemplados com um belíssimo dia, claro e ensolarado, para a alegria geral. Um tanto quanto preguiçoso e indeciso quanto ao que fazer, levantamos acampamento tarde, em torno das 9 horas da manhã, com destino à aldeia e ainda perdemos algum tempo em tentativas frustradas de apanhar cocos nos coqueiros do lugar. O percurso de volta leva pouco menos de 1 hora até o primeiro poço, onde chegamos encharcados de suor e não resistimos a outro pit stop pra nos refrescarmos. Nessas o tempo foi passando e a preocupação aumentando. Dali fomos até a choças procurar “o homem” do pedaço, o índio Afonso. Pra variar lá estavam somente as índias e a criança, nada do “homem”. A única informação que conseguimos “arrancar” da índia, que falava um português enrolado (eles falam guarani entre si), foi sobre o lugar de onde saia a trilha para o rancho, bem em frente a uma das choças. Bom, decidimos então tentar chegar nos tais ranchos rastreando a trilha já existente, já que varar-mato era totalmente inviável nessa hora do dia (passava das 11 horas). E lá fomos nós confiantes que chegaríamos no destino, afinal com essa info e as plotagens haveria alguma chance. De inicio parecia q não encontraríamos grandes dificuldades, mas a trilhinha foi se fechando passando a picada, a vestígios até dar em um pântano e ali tudo se complicou muito, pois não achamos a sequencia do caminho. Sabia que estávamos no rumo certo, mas varar aquele tipo de mato denso e de raízes retorcidas naquela hora do dia implicaria q não chegaríamos de jeito nenhum em Laranjeiras nesse dia, o que era absolutamente necessário porque tínhamos que voltar a tempo a São Paulo para trabalhar na manha seguinte. Procuramos bastante a sequencia do caminho, por mais de hora e meia, gastando nosso tempo e energia em vão, até resolvermos voltar já em torno das 13 horas. Tinha decidido, pelo avançado da hora, que só tentaríamos fazer esse trecho por terra se encontrássemos o índio quando chegássemos na aldeia e se ele nos desse informações seguras de como chegar aos ranchos. A sorte então pareceu nos sorrir, pois quando retornamos à aldeia lá estava o simpático Afonso, mas ainda faltava convencê-lo a nos ajudar. No dia anterior tinha trocado poucas palavras com ele e o máximo que tinha conseguido saber é que não havia caminho para atravessar a borda do mangue por terra. Agora com mais calma pude explicar meu plano que era mapear um circuito praia-montanha-aldeia para caminhantes, o que até poderia ser vantajoso de alguma forma para eles no futuro e muito mais blá, blá, blá pra convencê-lo rss.. até que finalmente ele topou nos ajudar diretamente, isto é, nos levaria pelo menos até o primeiro rancho. Já passava das 13,30 horas e ficamos prontos aguardando o Afonso se preparar para a empreitada (galocha, facão, etc..). Apesar do exíguo tempo que dispúnhamos, pois já era bem tarde, eu estava confiante que com essa ajuda alcançaria meus objetivos, contornar o mangue e chegar em Laranjeiras nesse dia ainda. Sabia que se chegasse rapidamente aos ranchos faltaria pouco para alcançar a picado do Sono e assim chegaríamos, nem que fosse de madrugada. Em pouco tempo saímos rumo ao nosso destino, os tais ranchos. Logo de cara percebi o meu erro horas antes: quando tentávamos achar o caminho do rancho, havia logo no inicio do caminho uma bifurcação na trilha que subia totalmente à esquerda em um pequeno morro, além da sequencia “natural” mais pisada da picada que seguia paralela ao mangue, que ia na direção do nosso objetivo, mas que nos levou ao pântano sem saídas. A trilha que subia o morro era a correta, exatamente por evitar o pântano, “lógica” que não vou me esquecer, rss... Daqui pra frente, com o Afonso na dianteira, avançamos bem rapidamente, mas em algumas vezes até o experiente índio titubeou em encontrar o caminho certo, quem diria, tava difícil até para o índio que conhecia o lugar... Muito curioso é que a referencia dele é o mato, ou melhor, as formações vegetais, arvores principalmente. O que para nós é indistinto para ele cada planta tem a sua identidade, muito interessante. Tai uma coisa que precisamos desenvolver para caminhar na mata, mas seguramente não deve ser coisa fácil para urbanóides. A picada sumia completamente em vários trechos e o motivo era desuso mesmo, há meses que eles não iam aos ranchos, que não eram habitados, sendo apenas uma espécie de abrigo temporário para caçadores, palmiteiros e coletores. Os ranchos ficam em terra firme, perto da borda do grande mangue, e são “acessíveis” por cursos d’água que adentram terra firme, o que explica a falta de picadas longas cruzando a região do mangue.
Seguimos em ritmo forte durante todo o tempo, mas não resistimos a uma breve parada quando nos deparamos com uma bananeira carregada de frutas maduras. Um pouco mais a frente chegamos ao primeiro rancho, na realidade um casa simples com paredes de bambu espaçados e com cobertura de zinco. Nele encontramos panelas e outros utensílios, certamente utilizados por caçadores locais. O Afonso que tinha se comprometido a nos levar até esse rancho, resolveu nos acompanhar até o outro, uma mão na roda para nós. Uma ou mais hora depois chegamos ao segundo rancho, que por sinal nem vi, já q ficava em um barranco acima de nós e que passamos batido por falta de tempo.
Depois de aproximadamente de quase 3 horas de caminhada acelerada chegamos a beira da picada que leva ao Sono. O curioso é que o índio não conhecia essa picada, não tinha a mínima ideia onde daria. Ele também nunca havia subido do Cairuçu. Então sugeri que se precisasse eu poderia guia-lo por esses roteiros, tudo por um preço bem camarada rss... Foi muita sorte porque a minha previsão é que chegaríamos somente ao segundo rancho e dali teríamos q fazer um vara-mato em direção a picada do Sono, mas como o Afonso resolveu avançar um pouco mais demos sorte e reconheci a picada de imediato. Eram aproximadamente 17 horas e agora felizmente estava em “casa”, conhecendo o lugar e seguro que em breve estaríamos no trilhão do fundo do saco que nos levaria à Laranjeiras. Mas como nem tudo são delícias, ainda tivemos uns breves “perdidos” antes de chegar ao trilhão. Grandes arvores caídas no caminho atrapalharam um progresso mais rápido, mas mesmo assim chegamos ao final da picada, na borda do trilhão e ao lado de uma refrescante bica onde repusemos todo o liquido que perdemos dessa caminhada árdua e quente.
Da bica até Laranjeiras é um pulo, não mais que uma hora. Chegamos são e salvos ainda com luz diurna e tempo ainda de podermos colher jabuticabas e pitangas no quintal da simpática dona de um “estacionamento” improvisado onde deixamos o nosso carro, logo no inicio do caminho que leva ao Mamanguá. Enfim, no final tudo era só alegria. Cumprimos nosso objetivo: fizemos uma travessia muito completa, longa, variada e pioneira, que esperamos possa ser repetido por muitos ainda.
Por fim, para aqueles que pretendam repetir esse roteiro, sugiro prestarem muita atenção em eventuais armadilhas de caçadores na região do mangue. Nas minhas andanças por lá não encontrei nenhuma, mas o mesmo não aconteceu com um amigo (Danilo) que refez posteriormente esse trecho do mangue com meu tracklog. No caso, ele se deparou com uma armadilha que era uma espécie de arma de fogo primitiva que disparava quando se passa em frente. Por muita sorte o tiro não o atingiu. Uma alternativa para quem não quiser arriscar ou é cruzar diretamente por dentro do mangue (exige também boa navegação, pois não há referencias visuais) ou se cruza para outra margem de barco.
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