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TREKKING - ILHA DA MADEIRA PDF Imprimir E-mail
Seção: Técnicas - Categoria: Lateral
Escrito por Jorge Soto   
Ter, 21 de Julho de 2009 14:42
Índice do Artigo
TREKKING - ILHA DA MADEIRA
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TRAVESSIA NO TETO DA MADEIRA

Com tamanho 4 vezes o de Ilhabela e distante apenas 500km da África, a Ilha da Madeira é uma porção rochosa encravada no Atlântico repleta de encostas floridas q se contrapõem à escarpas de respeitáveis desníveis e enormes montanhas de origem vulcânica.

 O clima e a paisagem são de eterna primavera; sua mata nativa, a laurissilva, foi declarada Reserva da Biosfera. E aproveitando uma breve passagem pelo arquipélago, não hesitei conhecer td isso pelas inumeras "levadas" q circundam a ilha principal, um emaranhado de trilhas formadas pelos aqueodutos construídos no inicio da colonização portuguesa, no séc. 15. Entre elas, a puxada travessia de crista dos maiores picos da Madeira, o Areeiro e o Ruivo, q nos brinda c/ panorâmicas soberbas do maciço central da ilha, 2mil m acima do nível do mar. Somente assim p/ conhecer esta pérola portuguesa q encanta os europeus desde q a elite inglesa a elegeu seu refugio de verão. E descobrir q a ilha tem mais a oferecer q seu bom vinho aos novos visitantes.

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Levantei preguicosamente as 7hrs, ainda sob efeito da ressaca da noite anterior. As noitadas portuguesas até q são animadas, mesmo q embaladas c/ goles de cerveja Coral, abisinto e toneladas de tremoços. Deixei entao meu pouso p; ganhar as ruas de Funchal, a capital da Madeira, ainda numa fria escuridão. Passando pela face moderna e sofisticada da cidade, assim como pelo seu belo centro histórico, um precioso emaranhado de ruelas íngremes e casario do séc. 18, não é a toa q Funchal  ganhou a alcunha de "Pequena Lisboa". Os poucos transeuntes q andarilhavam àquelas horas não tiravam os olhos da minha cargueira nos ombros. Cargueira? Sim, as dicas davam conta q a pernada daquele dia seria apenas bate-volta. Entretanto, como estava fora do meu habitat e as infos eram desencontradas, levei td equipo no caso de qq imprevisto. Mesmo já ciente q na região é proibido o camping selvagem, pois td o maciço central faz parte, em tese, do Parque Natural da Madeira, q abrange 2/3 da ilha.
Cheguei entao na Praça Autonoma, rente à orla, e me prostei na fila do pto à espera do "autocarro" Funchal-Boaventura (via São Vicente), q é como aqui eles chamam nosso tradicional busão. Enqto checava pela enésima vez as tralhas da mochila, chegou o busao. Enfim, saimos de Funchal pontualmente as 7:30, inicialmente atraves da avenida principal, p/ depois tomar a sinuosa estrada q costeia praticamente td a orla sentido oeste. O dia começava a amanhecer qdo chegamos na Câmara dos Lobos, 10km depois, c/ o sol se derramando pela simpática vila de pescadores c/ casario bem tradicional, q foi um dos primeiros assentamentos da ilha. A viagem prossegue tranquila, sempre costeando sinuosamente a orla, ora com poucos desníveis ora beirando enormes penhascos q caem vertiginosamente à nossa esquerda. Como o famoso Cabo Girão, um penhasco de quase 500m q tem o titulo de maior da Europa e 2ª do  mundo! C/ esta bela paisagem costeira, quem precisa de praia, não? Chegamos, 30km depois, à Ribeira Brava, uma simpática vila detentora do balneário local, mas q ao invés de areia fina, clara e fofa, sua praia é forrada de pedregulhos vulcânicos. P/ quem ta habituado as praias do litoral norte paulista é estranho, mas é o "must" do povo daqui. Daqui, o busao toma rumo norte, indo p/ centro da ilha. Vagarosamente, o coletivo ganha altitude atraves das encostas de serra e logo nossas vistas vão se tornando mais amplas. E mais interessantes. O soninho inicial dá lugar à beleza e grandiosidade do sol banhando o alto dos imponentes penhascos e precipicios q se debruçam em fendas e inúmeros vales à minha direita.


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As 9:30 salto num local denominado Encumeada, já na cota dos 1000m, q nada mais é q um enorme e vasto selado q liga a Costa Sul  (Ribeira Brava) e a Costa Norte (São Vicente) da ilha. Aqui é apenas um pto de passagem, com algumas poucas vendinhas ainda fechadas e "miradouros" (tecla SAP: mirantes), q oferecem uma bela paisagem do mar do norte e do sul, bem como da crista da cordilheira q atravessa o interior da ilha. O nevoeiro por entre as poucas arvores na zona de lazer dava um ar misterioso e algo magico. Não havia absolutamente ninguém aqui,  sensação q cresceu qdo vi o busao se perder montanha abaixo. Pois bem, da Encumeada partem varias picadas pra diversos pto da ilha e uma lacônica placa, q faço questão de transcrever, não deixa a desejar em nada as placas informativas do Ibama, embora alguns itens figurem em grego pra mim, e não portugues:
 
"Normas de Conduta do Bom Caminheiro:
-Mantenha-se dentro do trilho -Evite ruídos e atitudes que perturbem o meio ambiente -Não recolha nem danifique plantas -Não perturbe os animais -Não abandone lixo (não deite lenços de papel no chão, a sua decomposição é muito lenta) -Não faça lume -Se é fumador, não deite as beatas no chão, guarde-as para colocar no caixote do lixo -Não destrua ou modifique a sinalética
Para sua segurança:
-Não caminhe só, leve sempre companhia -Recolha previamente informação actualizada sobre o percurso -Informe sempre alguém do trilho que vai fazer e hora prevista da chegada -Certifique-se do tempo de caminhada e garanta que a finaliza antes de anoitecer -Transporte alguma comida e água de reserva -Utilize roupa e calçados apropriados -Se possível leve um telemóvel consigo -Em caso de fortes chuvas e ventos não faça o percurso ou volte para trás pelo mesmo caminho -Não corra riscos"

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Pois bem, devidamente munido de infos e me fiando principalmente da (boa) sinalização das trilhas, me lancei numa picada a beira do asfalto q subia um 1º ombro de serra, atraves de uma vegetação arbustiva q lembra muito os campos de altitude + espesso, de Itatiaia. Mesmo inicialmente encoberto de neblina, este comecinho de pernada não ofereceu maiores dificuldades pois a trilha é bem batida, obvia e tem alguma precária sinalização. No entanto, há picadas menores q se entrecruzam q podem gerar duvida, mas se vc tem noção de direção e se manter na principal não tem erro. O sol queria aparecer por entre as nuvens. A claridade assim o anunciava. E foi o que aconteceu. Já de inicio c/ vistas arrebatadoras sobre o Vale de São Vicente, alem de uma barraca enfiada no meio de uma encosta, sinal q não era o único q curte acampar nas montanhas e q "dar cambau" é pratica bem corriqueira, inclusive na Europa!
Subindo sempre compassadamente a encosta das enormes montanhas, deixamos pelo caminho os picos do Meio (1281m), Encumeada (1331m) e Ferreiro (1582m), sempre sentido leste. Nestes dois primeiros a vereda caminho atravessa capões de mata nativa, uma tal de Laurissilva, espécie de floresta umida constituída por árvores e arbustos de folhas planas, por fetos, musgos, líquens, hepáticas e outras plantas de pequeno porte, aqui materializada de belos exemplares de tis, loureiros, folhados, sanguinhos, massarocos (q mais lembram um cacto-cor-de-rosa) , orquídeas da serra e estreleiras (flor simbolo da ilha), entre azaléias, magnólias, bromelias e orquideas. Ao longo do trilho, me deparo também algumas furnas escavadas nas próprias rochas que antes serviam de abrigo aos homens que caminhavam com o objetivo de cortar madeira p/ ter lenha ou carvão vegetal. Qq semelhança c/ o desmatamento colonial da nossa Serra do Mar não sera mera coincidência.
Após árdua e íngreme subida, alcançamos o alto do Pico do Jorge (1697m), onde é facil vislumbrar a foz da Ribeira dos Socorridos e a Igreja de São Martinho. Dali passamos pra outra encosta do maciço e inicia uma longa e íngreme descida até à Boca das Torrinhas, localizado no alto do pico homônimo (1538m). Ali, cruzamos c/ outra picada maior perpendicularmente, q liga o Curral (sul) à Boaventura (norte), e foi aqui meu primeiro e breve pit-stop p/ retomada de fôlego, mas não apenas pelo cansaço mas tb em virtude do fantástico visu q se descortina a nossa frente. Neste local a vista sobre o Curral das Freiras é soberba, e abismal é a palavra certa para descrever a diferença entre as duas camadas  vegetais caindo das distintas vertentes da cordilheira, sendo o norte mais rico em espécies e densidade vegetal. Curral das Freiras deve te sido enorme cratera do vulcão da ilha e atualmente é um dos maiores e fundos vales da Madeira.
A seu tempo e s/ grandes pressa, dou continuidade a pernada, alternando o passo em subidas e descidas bem acidentadas. Passo pelo Pico Coelho (1719m) e o Pico da Lapa da Cadela (1667m), ate finalmente dar no pto mais alto da ilha. Isto é, no alto dos 1862m do Pico Ruivo, após sofridos 16 km de vereda e quase 800m de desnível! Ganha a batalha as 13hrs, foi com muito gosto q me fundi à mescla de nacionalidades presentes na forma de vários outros turistas, envolto num reboliço poliglota que deixava no ar o burburinho semelhante ao dum centro cosmopolita. Noutras, muvuca, principalmente perto de uma casinha de pedras q serve de Refugio. Teve ate um tiozinho alemao q apontou pra estampa na minha blusa e disse, num sofrível português arrastado: "Florrrianópolis? Serrr brrrasileiro? Eu estarrr lá ano passado!".  O tempo tava esplêndido! Sol, paisagem linda até o final da pernada, c/ td crista de serra se estendendo sinuosamente p/ sul, rumo o Pico Areeiro. Eventuais nuvens conferiam a paisagem um charme especial c/ um mar de nuvens de sobrepondo as águas do Oceano Atlântico, ao fundo. Perto do Refugio tb existe uma picada que dá acesso à Achada do Teixeira (nordeste) e é aqui que pode visitar o "Homem em Pé", uma formação rochosa basáltica que se assemelha à forma de um homem em pé.
Pois bem, estava no meio da travessia e ciente q não haveria necessidade de pernoite, pois faltavam apenas 7km pro final. Menos mal, embora já começasse a sentir o peso da cargueira nos ombros àquela altura, e minhas pernas já estavam bambas. A partir dali a pernada deixaria as matacoes de laurissilva e se dá, agora sentido sul, atraves de um 2º ecossitema predominante da ilha, o maciço montanhoso. Este trecho lembra muito um mix de Peterê, Marins-Itaguaré e Trilha Inca, guardadas as devidas proporções, claro!

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Deixei o pico Ruivo meia hora depois, objetivando o 3º pico mais alto da ilha, o Pico das Torres. Pra isso a picada desce interminavelmente em meio à uma encantadora mata de belas urzes da Madeira, plantas endêmicas q reluzem a luz do sol em diversas formas e cores. Musgos, rosetas, gramíneas verde-acinzentadas, estreleiras brancas, violetas e orquídea-das-rochas são tb outras das espécies que aqui se avistam facilmente.
Ainda pela crista e sempre se aproximando do enorme e imponente maciço do Pico das Torres (1851m), a picada deriva suavemente p/ encosta esquerda da serra, de modo a contornar a enorme montanha. Em alguns trechos + estreitos da trilha e q beiram verdadeiros penhascos abertos, temos o auxilio de precária varandinha e de vários degraus na rocha. Daqui se tem um belo visual de várias nascentes despencando montanha abaixo, como a Ribeira Seca do Faial e a Ribeira do Curral.
A cordilheira, por sua vez, é um enorme monumento de rochas cinzento avermelhadas q cai de ambos os lados por vários espigões, os quais é necessário atravessa-los por meio de 5 túneis (de 2m de altura) no decorrer do trajeto. Os 3 primeiros são pequenos e quase q seqüenciais. Mas logo vem o 4º túnel, cujos 200m percorri vagarosamente pelo fato de ter deixado minha lanterna em casa. Assim, não me restou opcao senão me guiar naquele negrume apenas pela "luz no fim do túnel", literalmente, ate sair daquele "furado" úmido, frio e escuro, q é como chamam os túneis aqui. Emergindo no outro lado do maciço, me despeço do Pico das Torres p/ pernada prosseguir no mesmo paso, com suaves sobes-e-desces, eventualmente topando c/ gringos no sentido contrario.
Por fim, diante de nós elevava-se o Pico do Gato com seus 1780m de altitude. Este marcava o início da subida até ao Pico do Areeiro sendo facilmente atravessado por um túnel com aproximadamente 100 metros de comprimento. Antes, porem, do ultimo túnel paro p/ apreciar e clicar a cabeceira da Ribeira da Fajã da Nogueira, assim como as "achadas" e os "lombos" de São Roque do Faial. Atravesso entao o "furado" no mesmo compasso q o anterior, p/ na saída me deparar c/ um mais um belo visual desta travessia: avista-se um dos rios q convergem no Curral e outros sítios dominados pelo enegrecido Pico Cidrao; enqto à oeste, atrás do Pico Grande, o sol derramava-se pelo planalto de Paúl da Serra, uma especie de Aparados da Serra local.
Uma vez c/ o Pico do Gato pelas costas subiu-se a ingreme escadaria do Cidrão, c/ centenas de degraus cavados na própria rocha e exigiu músculos e fôlego pra serem vencidos. Após este arduo trecho de subida, logo nos vemos novamente pernando numa crista terrivelmente escarpada, q nada mais é q a passagem sobre um dique basáltico q separa as nascentes dos Rios da Fajã da Nogueira e do Cidrao. Não demora e caio no Ninho da Manta, o ultimo mirante antes do meu destino final. Respiro fundo, ao mesmo tempo q aprecio o visu dos fundos vales ao redor, assim como a rede de riachos q alimenta o Rio da Metade e mais alem, as "Achadas" do Pau Bastiao e do Cedro Gordo, e gde parte da Cordilheira Montanhosa Central.
Após um ultimo trecho de estreita crista, com abismos de ambos os lados, cheguei finalmente no Pico do Areeiro as 14:00. Lá desabei junto à pousada homônima, onde estiquei as pernas e belisquei alguma coisa. Um passarinho (acho q era tendilhao) veio me encher o saco e não pensei duas vezes em afasta-lo c/ uma pedra, apenas pra depois descobrir q o mesmo ta quase em extinção, pelo olhar comprido de uma belga na minha direcao. Mas aqui ta cheio de outras aves - pardais, andorinhas e canários - ciscando o chão repleto de sobras dos turistas, q por sinal havia razoavelmente, boa parte de excursões e agencias de Funchal.
Pois bem, final de travessia e agora? Ali não havia transporte coletivo algum e tampouco havia combinado resgate algum p/ mim. Isto é, teria q descer td aquele planalto por entediantes 18km de asfalto até Funchal. Como estava bastante cansado via pouco provável chegar na cidade antes de escurecer. Pensando bem, foi mto bom ter trazido a barraca. Pelo menos teria a cia de umas ovelhinhas q pastavam aqui e acola, naquele cenario q mais lembrava o da Novica Rebelde, porem mais seco. Mas eis q a luz da divina providencia me agraciava novamente, pois mal comecei a andar pelo asfalto e um simpático casal de noruegueses motorizado q me oferece carona. Claro q não titubiei em aceitar e assim voltamos p/ capital da ilha num piscar de olhos, onde saltei proximo de onde estava hospedado, as 17:30. E assim o cansaço estampado na rosto cede facilmente lugar à satisfação da missão cumprida.
Ainda fiz uma horinha num boteco à beira-mar, afim de bebemorar à pernadinha-solo daquele dia, alem de passar no supermercado p/ abastecer a mochila. "Vai um cacetinho pro freguês?", sou indagado cordialmente pelo atendente da padoca. Tento nao rir mas fracasso nesse intento, p/ espanto do "gajo". Impossível não se divertir qdo se diz "pequeno almoço" p/ se referir ao café-da-manha, "miúdos" p/ crianças, "entrecosta"  p/ costela, "casa de banho" p/ banheiro, ou diante de certos hábitos corriqueiros locais, q não deixam de ser um modo de vida bastante peculiar aos brasileiros.
Os demais dias continuei percorrendo a ilha em inúmeros bate-volta, ora sozinho ora na cia de gdes amizades q lá fizera, e assim descobrindo as belezas escondidas deste rincão q guarda leve sotaque tupiniquim. Percebi q a gde maioria das trilhas pode ser percorrida num dia só (em virtude da proibição de camping), mas nada impede q algumas sejam emendadas e resultem em autênticos mega-travessias. Alem de caminhadas, a ilha oferece bons locais de mergulho, uma volta completa à ilha de bike, alem da pratica de bunge-jump e salto de asa delta. Enfim, opções aventureiras não faltam. Basta descobri-las.
 Assim, a Ilha da Madeira tem a alcunha de ser o eterno "Jardim flutuante do Atlantico", predicado q ganhou dos europeus abonados desde q a mesma tornou-se seu refugio de verão. Mas pros brasileiros ela pode ser mto bem a "Floripa da Terrinha", já q agora ela atrai outro tipo de visitantes, pois seus encantos vão alem do vinho, seu casario colonial e seus famosos bordados. E se a ilha, juntamente com os Açores e as Ilhas Canárias (Espanha) correspondiam ao fim do mundo antes da descoberta da América, hj estes mesmos locais poderiam ser perfeitamente denominados o começo da Europa. Ou melhor, um lugar encravado no Atlântico c/ leve sotaque brasileiro q não trai a alma portuguesa em momento algum. Um local onde a gente tem a impressão de q nunca saiu de casa.
 
Jorge Soto
http://www.brasilvertical.com.br/antigo/l_trek.html

 

 
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