CHEGANDO NA "CHIQUE-SELVAGEM"
ARRAIAL D'ÁJUDA

O dia amanhece chuviscando muito com razoáveis rajadas de vento. O céu cinza matutino daquela terça-feira me irrita pois acordara cedo (5:30) exatamente pra deixar o camping com tranqüilidade e sem maiores preocupações. Estou em Porto Seguro, um dos locais onde o Astro-Rei impera quase todo o ano, mas parece q é justamente comigo q as leis climáticas não se aplicam. Fico enrolando mais uma hora ate a chuva diminuir um pouco. Mas ela não diminui e o jeito é sair dali assim mesmo, com a barraca molhada pra pesar mais na minha bagagem. Q beleza...
A noitada anterior havia sido bem animada, regada a muito agito nos camelôdromos de batidas na Passarela do Álcool, axé de rua, e umas doses moderadas de "capeta", q ainda rebimbavam na minha cabeça. Mesmo assim estava animado em dar inicio a mais uma caminhada q me propusera, e queria estar de acordo meu cronograma de verão, com chuva ou sem.
Arrumo tudo as pressas, protegido da chuva parcialmente por uma enorme arvore do lado, e imediatamente sigo em direção ao cais, bem no centro da animada cidade, não muito longe. Desço uma ladeira, passo o Trevo do Cabral e já me encontro no centro comercial, mas prefiro seguir pela orla, na rua do Cais, com a chuva fustigando meu rosto. A agitada Passarela do Álcool esta vazia e apenas poucas pessoas se arriscam a andar pela rua naquela manha atípica. Do outro lado, o largo Rio Buranhém se encontra com o mar, ligeiramente agitado. Olho alem dos limites do rio e vejo onde devo chegar, la do outro lado, onde coqueiros numa pequena faixa de areia tremulam ao vento na Ponta do Apagafogo.
Num piscar de olhos já me encontro na Praça dos Tapajós, onde, mediante a módica taxa tomo condução de barco pra cruzar o rio, onde me ajeito num dos inúmeros bancos molhados pela chuva, que agora dava uma trégua. São sete e meia da matina. O trajeto de balsa é rápido e desinteressante, apenas aproveito o curto espaço de tempo pra beliscar alguma coisa da mochila.
Já do outro lado, desembarco ao lado dos poucos passageiros e veículos, onde procuro me orientar q direção seguir. Ônibus e vans aguardam pra levar pra Arraial D'ajuda, distante 5km dali, mas é claro q a idéia é fazê-lo a pé, pela praia. Atravesso algumas casas e já me encontro nas areias da praia do Apagafogo.
A maré está ligeiramente alta mas ainda permite caminhar ora pela areia dura próxima da água, ora pela areia fofa e molhada pela chuva. Claro q prefiro andar pela areia firme e dura rente ao balanço das ondas, onde a pegada é firme ,sem desgaste físico maior. Nos próximos dias descobriria a importância do horário das marés em minha trip.
Com a manha insossa e tremendamente feia, não me estranha q a praia esteja igualmente vazia. Apenas alguns elétricos quero-queros procurando alimento me dão as boas vindas. Não dá pra apreciar as praias num tempo desses, com certeza, mas são praias enormes q se perdem na próxima ponta ou enseada, ainda com bastantes quiosques e pousadas rente a areia. Enfim, civilização, q por ora esta totalmente apagada.
Após uma hora caminhando calmamente, e passar as praias de Araçaípe e Do Delegado, é q avisto a pequena Arraial D'ajuda, ou "Esquina do Mundo", como tb é conhecida. Pequenina, situada no alto de um morro coberto de vegetação, já no final daquela praia. Sigo adiante com o tempo já dando sinais de melhora.
No final dela, já na Bahia dos Pescadores, coleto informações com locais num quiosque e prossigo adiante, pela extensa Praia do Mucugé, onde na orla vejo um enorme parque temático aquático, o Water Park Paradise, q termina juntamente com a praia. São exatamente nove e meia quando oficialmente chego em Arraial D'ajuda, subindo pela íngreme Estrada do Mucugé (ou Rua da Praia, para os locais) pra chegar na vila central. Nesta rua de paralelepípedos se concentra boa parte de todas as lojas, pousadas, bares, artesanias, bazares e vários mini-shoppings! O estilo é tropical mesmo e a impressão q se tem é q se esta num shopping com motivos ecológicos em todo canto, já q boa parte dos bares e restaurantes não tem paredes, e as cadeiras e mesas estão sob a sombra frondosa de gdes arvores.
Em tempo, Arraial D'ajuda foi um povoado jesuíta fundado em 1549 como pto de partida pra catequização indígena, e agora é mais uma versão menos massificada da vizinha Porto Seguro. Tudo no melhor estilo rústico-chique, claro!
Para meu azar, as infos de camping q eu tinha estavam meio defasadas, ou seja, não havia mais campings. Sou obrigado a perguntar alternativas, onde acabo seguindo as dicas de um cara. Começa a chover novamente, pra minha infelicidade. As pressas, peguei uma ruazinha, o Beco dos Jegues, onde chama-me a atenção um bar chiquerrimo anunciando pra experimentar um tal de "Mac Jegue"!? Enfim, termino encontrando local pra ficar, no final da rua, no quintal de uma casa/pousada bem meia-boca e repleta de bicho grilo recém-levantando. Uma placa no portão "cuidado com o cão" chama a atenção, pois nem cachorro lá havia! Dose foi achar local pra estender a barraca, o chão tava todo detonado com lama, mal cuidado, etc..Tinha q ficar esperto pois tava cheio de pé de jaca, e o chão estava repleto do tal fruto espatifado..
São onze horas e, após descansar e tomar café divinamente na barraca, é hora de sair um pouco, pois já estava farto de escutar os quebra-pau da família de dentro da casa. "Porra, vc lavou seu tênis na banheira do bebê!?", ouvi de fora, já dando a entender q a estadia ali seria entediante caso não saísse pra dar uma volta logo. Pra ajudar a chuva pára definitivamente e um solão lindo surge nos céus. E juntamente com o sol, surge parece q todo mundo tb.
Da Rua da Praia sigo em direção ao centro histórico da vila, na Pça São Braz, repleta de barracas de artesanias e quiosques de comida e bebida. Aqui tb há uma rua q remete à fama,"Broduei", cheia de comercio onde no final chega-se ao principal monumento histórico dali, a bonita e charmosa Igreja Nossa Senhora d'Ajuda, marco zero do povoado e q atrai muitos devotos. Ao redor há uma pracinha e um quadrilátero com um casario colonial, agora adaptado ao comercio.
Atrás da igrejinha há uma espécie de pequeno mirante, onde pude observar em panorâmica toda a costa dali e, ao longe, o q andara desde Pto Seguro. Uma vista bonita, onde as tonalidades de azul do mar são realçadas pela presença de corais e pelas marés!
Com o sol a pino, as praias já estavam literalmente lotadas. Dali, desci ao pé do morro por uma escadaria ate onde existe uma Fonte Sagrada (ou Banho da Santa), q segundo dizem originou o povoado e proveu os colonos de seu precioso liquido.
Ao pé do morro, resolvi ir agora passear pelas lindas e largas praias de Arraial - agora com a maré visivelmente baixa - a começar pela praia de Mucugé, de águas calmas e tranqüilas devido aos recifes q bloqueiam as ondas, e q agora formavam piscinas naturais. Mais adiante fica a Praia do Parracho, q devido a sua proximidade da vila, fica tremendamente farofada, repleta de megaquiosques e bares com som (de preferência axé ou reggae) altíssimo, cadeiras de praia na areia, muita muvuca e pouco espaço ate pra passar por ela e muito ambulante. Não gostei desta q deve ser o point das praias.
Andando uns 5km mais pro sul fica a praia de Pitinga, bem mais calma q a anterior, tanto nas águas como no movimento, sendo aqui o lugar perfeito de quem ta afim de sossego mesmo. Areia branca e fofa com coqueirais providenciando sombra na medida certa. Bares? Um e outro somente. Foi no final desta praia onde descansei um bom tempo, apreciando o vai-vem dos poucos turistas q se arriscam a andar um pouco mais de Arraial. Daqui já tive tb uma visão do q me aguardava o dia seguinte, a enorme praia do Taipe, q se perdia no horizonte!
São quase 3h da tarde e o sol estava pegando forte. Resolvi voltar, apreciando as águas verdes de vários tons formadas nas piscinas naturais q os recifes formavam. Um vento forte começa e espalha areia pra td qto é canto. Novamente na muvuca do Parracho, atravesso os quiosques dos bacanas, turistas gringos e endinheirados. Aqui há muitos ambulantes te assediando, desde vendedores de espetos de camarão, de queijo frito (e sua inseparável latinha com carvão acessa), de artesanias, até tatuadores de henna..um inferno!
Logo me encontro no comecinho da Rua da Praia, ao pé da pirambeira. Aqui é o local chamado Beco da Alegria, repleto de quiosques populares e botequinhos/biroscas quase q freqüentados pelos locais, q tem mais a minha cara e onde mato minha sede com uma bem vinda cervejinha!
A seguir faço minhas compras de provisões, pão, leite, etc..e noto q o tempo começa a nublar, porem continua incrivelmente quente. Volto pra barraca pra lavar algumas roupas e descansar.
Mais tarde, dou mais uma voltinha pela vila, apinhada de turistas gringos nas pequenas e estreitas ruas, repletas de lojas de roupa de griffe, principalmente perto do Beco das Cores. Já começa a escurecer e boa parte das lojinhas começa a abrir. Na pracinha central ta cheio de ambulantes e hippies vendendo artesanias, alem das tradicionais barraquinhas de "capeta". So ai q reparo q o pequeno e discreto cemitério da cidade fica bem no meio da mesma praça!? Fico enrolando nesse centrinho, dando voltas e voltas, ate q estaciono num boteco próximo, tomando uma cervejinha e já estudando o percurso pro dia seguinte.
Ouço barulho de musica vindo de td qto é canto, de barzinho, pousadas, dos veículos, etc. Por incrível q pareça em sua maior parte não é axé, e sim o bate-estaca de musica eletrônica, entremeado de rock, forró e mpb. Bem, já começo a sentir cansaço. Pra não dizer q não comi nada, mando ver um acarajé de uma ambulante trajada a caráter. "Pimenta?", me pergunta a moça. E eu, desconhecendo q o negocio já vem ardido, deixo ela colocar mais um pouco. Quase cuspindo fogo, acabo comendo ele mesmo assim, pois apesar disso tava muito gostoso...depois de mandar vários copos d'água!
A Rua da Praia agora esta quase lotada de gente indo e vindo, assim como as pequenas transversais. De noite é o "foooting" da galera, principalmente de argentinos e italianos. Não era de se estranhar q quase todos os cardápios de restaurantes anunciava seus cardápios tb em inglês e hebraico. Dou minha ultima voltinha antes de me recolher lá pelas dez..onze horas, com cada vez mais movimento e mais animação pelas ruas, mas o cansaço me chama com mais força. Volto pra barraca já imaginando a dura caminhada do dia seguinte, enquanto o barulho de musica ta cada vez mais intenso. Mas eu não to nem ai. Pelo jeito a noite aqui tava apenas começando, pois no fundo não importa a balada. Estar na "Esquina do Mundo" de bem consigo mesmo ou em boa companhia já garante a diversão de qualquer um.

CIRCULANDO PELO QUADRADO DE TRANCOSO

Levanto ao som de um galo vizinho - bem disposto antes das seis da matina, arrumo as coisas e já coloco pé no chão, deixando pra trás as dependências do moquifo onde pernoitara. A noite fora sossegada, mesmo ouvindo o barulho dos bares próximos, q se estendera ate altas horas da noite. Mas o cansaço falava mais alto e nessas horas vc dorme em qq canto.
Subo a estreita Rua do Jegue, tomo a principal, q ta totalmente vazia, e me dirijo à praia. No Beco da Alegria, uma única barraquinha tá aberta e lá compro um salgado q me providencia um café da manha duvidoso.. A maré desta manha ta bem alta, deixando apenas uma estreita faixa de areia, completamente fofa e difícil de andar. Não sigo pela praia e sim por uma estradinha de terra paralela, em meio a muita restinga e mata atlântica, q leva ate a Praia do Pitinga, me poupando de desgastes desnecessários.
Já na Praia do Pitinga, o jeito é ir mesmo pela praia e seguir em frente. Pé no chão, ou melhor, pé na areia! O dia esta parcialmente nublado com um sol q fica nesse sai-não-sai. A idéia é começar a caminhar cedo justamente pra evitar o abrasante sol bahiano. E assim ando pela mesma praia, agora quase deserta e sem a visão dos recifes e piscinas naturais, chegando, após a ponta, ate o ponto onde descansara o dia anterior. Atravesso o Rio Pitinga com água ate as canelas, felizmente bem baixinho.
Daqui em diante a paisagem muda radicalmente. Do lado da estreita praia, enormes morros de mais de 20m, de diversos tons avermelhados e lilases, refletem os primeiros raios matutinos num espetáculo grandioso. São as chamadas falésias, e estas se perdem no horizonte. Alem disso, a impressão q eu tive delas não era diferente da q Pero Vaz de Caminha teve ao descrevê-las em sua famosa carta. Vejo algumas poucas pessoas caminhando pela praia, entre elas um senhor bem gordinho, bem na minha frente.
A partir daqui a caminhada começa a se tornar ligeiramente pesada, mesmo descalço. A maré alta deixou apenas a areia alta e fofa para pisar, inclinada, e o exercício de caminhar é redobrado, mas felizmente estou bem disposto e descansado. Meu passo é moderado, tranquilo, porem constante, e num piscar de olhos me encontro na enorme e extensa Praia do Taipe, onde as falésias se perdem no horizonte e não se vê sinal de quiosque algum. Apenas areia, uma matinha rasteira ao pé das falésias e mais nada. A caminhada prossegue dura, mas ao mesmo bem interessante, pois aqui a praia se alarga mais um pouco e caminha-se pelo menos plano. Passo do lado de um buggie abandonado na praia, coberto ate a metade de areia, provavelmente atolou e não saiu mais.
Mais adiante começo a ouvir um barulho de musica eletrônico, q vai aumentando na minha aproximação. No meio daquela praia deserta havia um quiosque onde tava acabando uma dessas festas eletrônicas, as "raves", e muitos jovens ainda chacoalhavam o esqueleto enquanto muitos outros estavam espalhados na areia. Atrás do quiosque, numa enorme falha entre as falésias, estaria a Lagoa Azul, q secara misteriosamente e se limitava agora a uma poça d’água. Dizem q a culpa foi dos turistas, q removeram muita argila de seu leito, pois diziam q esta tinha poderes terapêuticos.
Ao passar, uma das jovens badaleiras - achando q sou peregrino - passa a me acompanhar e bato um papo rápido com ela, me dizendo q Arraial foi pioneira nesses tipos de festas eletrônicas q varam a madrugada. Essa daí só ia terminar naquela tarde, e ela não comera nada o dia anterior e tava procurando um quiosque pra beliscar algo, q por sorte encontra mais adiante.
A partir daqui a praia fica quase bem deserta, porem sou sempre acompanhado pelas enormes e majestosas falésias - agora de cores lilases e cinzas - ate q finalmente me deparo com o segundo rio - q deságua no mar - a transpor. Este era o Rio Taipe e já não era tão rasinho assim, era bem mais volumoso e fundo. O senhor gordinho q caminhava a minha frente o atravessara com certa dificuldade, com água acima da cintura. Aqui tenho q retirar a mochila e colocar na cabeça, segurando-a firmemente com as mãos. Atravesso bem devagar, pisando com cautela pois não quero pisar em falso num buraco qq. E assim atravesso os quase cinco metros de largura deste q seria o primeiro dos muitos rios punks q atravessaria.
Pé na areia novamente, acabo chegando no final da praia e das falésias, onde encontro o senhor gordinho descansando. Seu rosto não me é estranho e, pra minha surpresa, o reconheço como o Miguel, um colega do colegial q não via há quase vinte anos!? Ele tb fazia sua caminhada matinal de 14km rumo Trancoso e seguimos o resto da manha juntos, colocando a fofoca em dia e relembrando velhos causos.
Aqui a falésia invade a areia e encontra o mar, e pra chegar a próxima praia é necessário passar pelas pedras de argila, ora escalando-as ora pulando de pedra em pedra. Estas pedras de argila são bem escorregadias e tem fama de terapêuticas, mas o formato de algumas pedras era bem interessante, lembrando castelos ou templos no deserto.
Deixadas as rochas pra trás, deixa-se as falésias tb. Agora a praia é acompanhada um bom tempo por alguma mata atlântica, mas principalmente o q tem mesmo é um enorme e vasto manguezal do lado. Mais um rio a transpor com água ate a cintura e mochila na cabeça, o Rio da Barra. E seguimos agora pela praia do mesmo nome, agora cada vez mais com mais e mais movimento, sinal q estamos próximos de nosso destino.
Por volta das dez da manha já chegamos nas proximidades de Trancoso, na Praia dos Nativos, uma praia mto bonita com coqueiros perfilados em toda sua extensão. O Miguel estaciona num enorme quiosque enquanto eu vou procurar camping pra ficar. Assim como Arraial, a vila de Trancoso fica em cima de uma falésia coberta de vegetação, uns 50m acima do nível do mar, mas pra chegar ao pé do morro antes deve-se passar por passarelinhas ou pontes de madeira q atravessam o enorme manguezal entre a praia e o morro. E carangueijo por td qto é lado..
Muitos turistas recém chegando de busão e muito carangueijinho circulando tb pelas ruas de terra batida da vila. Subo por um atalho íngreme rumo o centro da vila e me deparo já de cara com a Igreja São João Batista, bem no meio do Quadrado, q é um lugar rústico e encantador, um amplo e enorme gramadao cercado de casinhas coloniais coloridas. Na verdade, é uma praçona retangular. Tudo isso rodeado por arvores de cacau, tamarindo, jambo e jaca. Não é a toa q é o cartão postal da vila. Do lado da igrejinha há um camping e é lá mesmo q eu fico, pois to sem saco de ficar procurando lugar. Me ajeito, armo barraca, livro do peso, tomo um banho rápido e vou de encontro com o Miguel.
Antes disso, porem, dou uma rápida olhada na igreja, q esta de costas pro mar. Do lado dela há um mirante com vista panorâmica fabulosa de todos os elementos q a compõem: do mar, q vai mudando das tonalidades azul e verde conforme a incidência de luz; o Rio Trancoso, antes de chegar ao mar, serpenteando a areia varias vezes, formando pequenas ilhas e irriga o mangue de arvores robustas; e a praia propriamente dita, com sua areia branca contrastando com os inúmeros coqueiros verdes perfilados. A brisa suave ameniza o calor escaldante desse horário. No meio do extenso mirante, uma placa de madeira já avisa pra relaxar e simplesmente curtir o local: "Calma, o sábio não se aborrece", escrito tb em inglês. Ops, já ia me esquecendo do Miguel.
Ao retornar pra praia - quase uma hora depois - encontro o Miguel num megaquiosque, e ficamos ali descansando da caminhada, tomando cerveja e comendo uma bela porção de peixe frito, q tava uma delicia! Ao mesmo tempo apreciamos o movimento do meio dia na praia, intenso, repleto de turistas e famílias passando apenas o dia ali, vindas de Pto Seguro. Crianças assediam aos montes vendendo de tudo, queijo qualho frito, redes, cocada, biju e artesanias, etc. Tal qual Arraial, as praias próximas da vila são as mais farofadas, repletas de bares tocando axé, espreguiçadeiras espalhadas na areia, etc. Chama-me a atenção uma fila, na praia, diante uma cabine tal de Jet Bronze, um sistema curioso de bronzeamento por esguicho (!?)
Pra sair dessa farofa total, resolvemos andar um pouco alem do Rio Trancoso, q é bem rasinho. A partir dali começa a extensa e bonita Praia dos Coqueiros, já quase deserta, com muitos coqueiros a beira-mar pra apaziguar o sol forte, mas andamos apenas um pouco. Bem mais adiante estaria a Praia dos Pelados, mas eu só confirmaria se de fato o pessoal fica "mais a vontade" ou não apenas o dia seguinte. São quase 3h da tarde, começa a nublar e ventar com força e o Miguel ainda tem q retornar pra Arraial, onde estava hospedado. Me despeço dele e prometemos manter contato.
Estaciono novamente num quioscão e mando mais uma breja, pois apesar de nublado ta quente pacas..Resolvo voltar pra conhecer o centro da vila propriamente dito. Me chama mesmo a atenção a rede de pontes e caminhos de madeira q atravessam os manguezais, algo bem interessante, principalmente pelos montes de carangueijos q circulam livremente sob seus pés no meio do barro e do emaranhado de raízes das arvores semi-alagadas. Ao pé do morro, algumas vielinhas com birosquinhas simples com nomes sugestivos tais como "Passarela do Álcool", "Beco da Perdição", são tentadoras pra mais uma estacionada, mas resolvo mesmo é seguir pra vila mesmo, desta vez subindo o morro não pelo atalho íngreme e sim pelo caminho de terra oficial, ladeado de muita mata atlântica e muito pé de jaca! Outras ruas paralelas levavam para gdes empreendimentos turísticos q atrai gente famosa, e ate tem um Club Méd perto dali!?
Trancoso foi uma aldeia jesuítica fundada em no séc 16, um projeto utópico de catequização dos pataxós. Depois de todo esse tempo, vila ainda guarda seu charme pois foi redescoberta pelos hippies e nudistas na década de 70.
Volto pro camping pra descansar e tomar um belo banho. O camping tem boa infra estrutura, o gramadao é continuação do Quadrado e esta apinhado de jovens e algumas famílias. Por estar acima do morro venta bastante. São quase cinco da tarde e começa a nublar, de praxe.
Novamente no Quadrado (nome dado à antiga vila de índios e q na verdade é um retângulo), dou uma voltinha geral pelas charmosas casas coloridas e a impressão é q o tempo congelou ali, pois turistas, hippies e nativos se misturam. No centro do enorme gramadao crianças batem bola e os bicho grilo começam a se estabelecer no entorno pra vender suas artesanias. O casario colonial dali, pintado com fortes cores vivas, chama bastante a atenção, agora convertidas em bares, lojas ou pousadinhas. Principalmente lojinhas de artesanato chique, com galinhas d'angola decorativas aos montes.
Passeando alem do Quadrado, vila adentro, nota-se q as ruazinhas - agora asfaltadas - se entrelaçam revelando pousadas e mais pousadas escondidas na sombra de enormes arvores, alem de pequenos estabelecimentos comerciais, onde evidentemente compro minhas provisões diárias. Alem disso, há muitos ateliês chiques e lojas bonitas! O ironico é q boa parte das lojas de artesanato vende produtos de arte/design chiques e pouquíssimas vendem artesanato local, isto é, dos índios pataxós!
Começa a chuviscar e me protejo numa lojinha, degustando um bom e velho dogão de ambulante, nada com pimenta desta vez!
As luzes começam a acender, a night de Trancoso tem inicio. Não há muito movimento já q o tempo não ajuda muito, mesmo assim vê-se um vai-vem típico, porem menor q Arraial. Os bares e danceterias começam a inundar as ruas com diversos ritmos. Tem uma, a ParaRaio, q tem uma proprietária famosa, a Elba Ramalho! Longe de maiores baladinhas e já cansado e sonolento, preciso me recolher pois o dia seguinte será bem desgastante! Antes disso, dou minha ultima volta pela vila, apenas apreciando o bonita q ela fica ao ser iluminada artificialmente. As casinhas do Quadrado ganham um tom especial com a iluminação noturna, tons italianados, balineses, enfim, a vila ganha nova aura, não menos encantadora. São quase onze horas da noite.
O sono demora a chegar, principalmente com a família acampada do meu lado fazendo aquele baita churrasquinho beeem cheiroso impregnando minha barraca, mas a obrigação de estar inteiraço por dia seguinte é incrivelmente maior. Enfim, o sono vem naturalmente. Bem, se no principio eram os índios e depois os jesuítas, agora são os turistas, hippies e mochileiros q resolveram descobrir este pedacinho de terra do Brasil. E embora já tenha gdes empreendimentos turísticos, é ótimo ainda constatar q Trancoso mantém a aura rústica, charmosa e romântica q lhe deu fama.

30KM DE AREIA ATE CURUíPE E ESPELHO

Levanto pontualmente as seis e meia, e o camping ta um silencio só. Apenas alguns jovens retornando das noitadas vira e mexe aparecem, meio bêbados. Arrumo minhas tralhas e me dirijo rumo a praia, lançando um ultimo olhar por Quadrado. Ao invés de seguir pelas areias fofas da praia, pego a estradinha de terra batida paralela a esta, afugentando os carangueijos q transitam por ela rumo seus buraquinhos no mangue de ambos lados.
Aqui entro diretamente na Praia dos Coqueiros, quase no seu final, e já estou na Praia dos Pelados (ou de Pedra Grande), repleta de coqueiros perfilados. Claro q neste horário não há ninguém como veio ao mundo, mas a praia não deixa de ser bonita, mesmo nas primeiras horas do dia, felizmente com as nuvens encobrindo o sol subindo la no horizonte. Passada a primeira ponta da enseada, a caminhada torna-se mais difícil: a maré esta cheia sobrando uma faixa razoável de areia fofa e inclinada pra andar, mas ao menos serve de massagem para os pés.
A paisagem é bonita, pois não se vê alma viva aqui, deserta mesmo. No inicio algumas falésias terra adentro, com coqueiros no topo, vão diminuindo ate a visão ser a de uma extensa planície de restinga q se alterna com mata atlântica arbustiva. Uma visão q se perde no horizonte. Esta vegetação é muito bonita, com destaque as enormes bromélias com suas flores e frutos coloridos, q por sua vez chamam borboletas q juntam suas cores as da praia.
Chegando a duras penas na Ponta de Itaquena, paro por informações de minha localização às duas primeiras almas vivas do dia - dois pescadores sentados no inicio da restinga, protegidos do sol por um mini-toldo feito de folhas secas de palmeira . Estou agora a andar na enorme enseada da Praia de Itaquena, onde, devido a maré alta, não posso ver as piscinas naturais formadas pelas barreiras de corais.
A praia é deserta, mas sou acompanhado por cercas intermináveis, ora escrito "propriedade particular"ora escrito "reserva ecológica", planície dentro. São fazendas enormes, mas não há casas visíveis, apenas quilômetros de cercas.
O tempo passa e a maré baixa consideravelmente - deixando algas pra td qto é lado - permitindo em algumas praias caminhar com mais firmeza. A paisagem mantem-se inalterada na extensa praia seguinte, a Barra do Rio do Frade. Planícies de restinga, bromélias e cercas.
Nove da manha chego no meu primeiro e obstáculo real, o Rio do Frade. Diferentemente dos riozinhos anteriores, este aqui era um riozão, de uns 20m de largura, de respeito q desaguava sinuosamente no mar. Apesar da maré quase baixa, julgo ser insuficiente pra atravessá-lo numa boa. Será? Deixo a mochila na areia e procuro testar a profundidade dele. Já de cara afundo devido ao banco de areia quase ate a cintura, mesmo assim continuo devagar pelas águas correntosas ora mornas ora frias, em direção a parte mais estreita dele, cada vez afundando mais. De fato, chegava num trecho onde a água chegava a dois metros de profundidade, o q inviabilizava atravessar segurando a mochila acima da cabeça. Tentei e tentei outras margens mais próximas, mas não tinha jeito mesmo. E agora? O jeito foi sentar na areia e esperar a bendita maré baixar mais um pouco. Ao menos já tomei meu refrescante banho do dia.
"Q saco!", pensei, " Saio cedo pra ficar plantado aqui". Essa foz era aparentemente deserta, via-se apenas uma ou outra casinha planície dentro, nada mais. Uma hora se passou e nada de variação do nível das águas. Foi qdo vejo ao longe no mar um barqueiro - de porte ate razoável - se aproximando pra entrar no rio. Sem q o chamasse, encosta na margem de areia, me diz pra entrar e que me leva na outra margem mediante qq "agrado". Ótimo, ainda mais qdo o "agrado"são módicos 1 real, q encantam os olhos do jovem barqueiro. A viagem não dura nem dois minutos.
Me despeço do jovem, observando-o desaparecer rio adentro. Descansado, coloco pé na areia novamente e mochila nas costas. A partir daqui a praia é estreita e repleta de coqueiros, q se perdem e abundancia terra adentro. Estou num ponto de referencia de toda região, a Fazenda Jacumã, q é uma enorme propriedade particular, de onde posso ver algum movimento de funcionários.
Após um certo tempo, as falésias passam novamente a tomar conta da paisagem, com seus tons avermelhado e claros. Seguindo em frente, elas tornam-se cinzas, repleta de densa vegetação em sua base. Chego na deserta praia de Setiquara, ornada com belas formações de rochas em sua praia estreita. Na próxima, de Curuípe, por sua vez, recifes represam piscinas esverdeadas na agora maré semi-baixa. Algumas crianças brincam nas suas águas mornas.
A presença cada vez maior de banhistas e pequeno barcos indica q me aproximo da famosa Praia do Espelho, uma extensão da Praia de Curuípe (nome oficial), e tem este nome pq o mar reflete o céu de maneira espetacular. No entanto, não pude constatar isto pois qdo passsei estava meio nublado, mas mesmo assim, justifica-se pq é considerada uma das mais bonitas dali: "Espelho da Maravilha", como tb é chamada, é uma praia localizada ao pé de gdes falésias cobertas de vegetação, orlas de coqueirais, o mar calmo com piscinas naturais e areia fofa. Antigamente foi habitada por um clã de pescadores, q venderam suas casas e foram reformadas com bom gosto. A impressão q dá é q se está numa aldeia caiçara onde todos assinam revistas de decoração!
Pelo fato de ser famosa e bonita, estava bem farofada , repleta de quiosques. Alguns bares rentes a praia trocam suas cadeiras e mesas de praia por almofadas e esteiras para os fregueses. Nota-se o movimento sobe-e-desce na falésia por uma escadinha. Na base, uma placa "propriedade particular" indica q em cima há chiquerrimo condomínio fechado. Bem caro, por sinal. Enfim, uma praia bonita q lembra muito estar numa ilha deserta, ilhada pelas falésias.
Na seqüência, e sempre acompanhado pelas muralhas das falésias à minha direita, continuo minha marcha já mais devagar, devido ao cansaço. Teimoso do jeito q sou, ignoro uma placa "Caraíva" q indica um desvio pra subir a falésia. Sigo em frente, onde a falésia vai se aproximando mais do mar e a areia cede lugar a rocha dura. Enfim, chego numa curva onde a falésia entra no mar e paredões rochosos sendo furiosamente castigados pelas ondas são obstáculos naturais impossíveis de transpor. Fico ali, avaliando a possibilidade de atravessar (com mochila?) como uma lagartixa o paredão. Mas ao ver as enormes ondas batendo na rocha desisto desta idéia estúpida. Minha teimosia custou-me um belo tempo.
Aproveito para descansar sentando numa rocha e comer um miojão cru, bem crocante, por sinal. Andar por cima dessas rochas dói razoavelmente os pés, pois os grãos de areia remanescentes terminam causando atrito com as pequenas bolhas q começam a se formar em meus pés descalços. São exatamente quase meio-dia.
Descansado e com novo fôlego, dou inicio aos quase dez km q tenho pela frente, mas q são um pouco mais devido a minha teimosia. Retorno ate a placa q ignorara anteriormente, e pego o caminho de argila e terra batida q sobe por trás da falésia. Subida ligeiramente inclinada, mas beleza. Em cima da falésia, vegetação rasteira de restinga e muitos arbustos dominam a paisagem e algumas casas bem simples consigo ver ao longe. De cima, a vista das praias já percorridas é muito bonita. Esta região aqui é chamada de Ponta do Toque Toque. Não me pergunte o motivo.
A caminhada aqui é sossegada, plana, ora por terra ora por areia branca. Apenas atento as inúmeras bifurcações e alguns sobes e desces q a trilha tem. A sola do pé começa a doer e calço meu chinelo. Um chuvisco ameaça cair mas logo some. Sem querer, tomo uma trilha nada a ver e vou me afastando da praia, sem perceber, onde acabo chegando num local onde a trilha some, apenas matão e restinga pura na minha frente. Volto td ate o ponto onde julgo q me perdi, novamente contabilizando um belo tempo perdido. Novamente os sobes e desces de praxe, desta vez com muito barro escarlate das falésias, q literalmente grudam meu chinelo na lama. Andar neste barro é como andar com peso extra no pé inteiro. Claro q levo vários escorregões tb.
Novamente na trilha correta, com os pés literalmente vermellhos, vou margeando a quase beirada da falésia ate chegar num canto onde a trilha desce definitivamente. Este trecho esta bem escorregadio devido ao chuvisco e redobro cuidados. Embaixo, atravesso uma porteira e novamente estou na praia, q acredito seja a de Juacema. Dali olho pra trás e constato q realmente não dava pra ir pela praia, pois na curva da falésia e dos paredões o mar não dava passagem mesmo ate ali.
Agora ando pela aguinha morna rasa da praia, afim de limpar meus "pé-verméio", para depois seguir definitivamente pela areia. Esta praia é enorme, interminável, deserta e repleta de falésias vermelhas, q me acompanham durante quase todo o resto do trajeto, atravessando alguns pequenos riachinhos.
Após um tempo q parece não ter fim - com um pouco de dor no trapézio e no pescoço - agora sou eu q esta cansado mesmo, sempre perguntando pras poucas pessoas passeiam pela praia: "Falta muito pra Caraivas?", recebendo respostas bem dispares. O primeiro casal me disse q faltava meia hora, o segundo me disse q faltavam duas..e agora?
Numa enorme falha entre as falésias, noto um enorme manguezal q adentra, formando algumas piscinas naturais, um belo lago, afinal, onde varias crianças e jovens se divertem. Um trecho de água razoável sai dali e vai dar no mar. Deve ser o Rio Coruipe, q felizmente esta raso, mas q em épocas de cheia fica com 8m de largura. Vontade de me refrescar no laguinho não falta, mas minha ânsia por chegar em Caraivas e tomar minha cervejinha é bem maior.
Mais em frente as falésias somem completamente dando lugar a uma enorme planície de restinga, q lentamente torna-se manguezal. Esta outra praia, Praia da Barra, é igualmente deserta e interminável. Meu passo é de tartaruga manca mesmo, e paro pra descansar num morrinho de areia, aliviando uma dor num nervo do pescoço q me incomoda. Pra minha surpresa reparo na areia muita sujeirinha de cavalo(!?) Bem, devo estar próximo sim de Caraivas.
O cansaço realmente agora ta pegando mais forte, minha vontade é de acampar ali mesmo e me jogar dentro da barraca, mas sigo em frente, queimando minhas ultimas reservas de energia e fôlego. Já são duas e meia da tarde.
Ao ver mais movimento já me animo muito, passando batido por uma isolada barraquinha q vende água-de-coco no melhor estilo natureba, sem canudo ou copo. No gargalo mesmo! Piscinas naturais vão se formando entre as pedras, completando esta paisagem q pra mim é mais q uma miragem. Nunca estive tão contente por ver muvuca. E assim chego no encontro do gde Rio Caraivas com o mar, onde sua água cristalina, gelada e fresca é convite irrecusável pra banho, ainda mais para meu corpo quente e cansado. Minha garrafa ta cheia de água, no entanto meu desejo é outra água, de preferência loira, q molhe a minha goela. Eu mereço.
No rio, de uns 10m de largura, um menino numa canoa já encosta do lado avisando q não dá pra atravessar sem seu auxilio. Pelo visto, tem sempre um barqueiro de plantão, pois sem mochila umas boas braçadas resolveriam a questão. Eu, teimosamente, nego sua ajuda e fico avaliando as possibilidades de atravessá-lo com mochila na cabeça, já notando uma platéia de crianças se formando pra ver minha proeza do outro lado do rio. Bem, pelo jeito devem estar esperando q um espetáculo no mínimo divertido. Engolindo mais um pingo de orgulho, chamo o barqueiro e subo na canoa, pra decepção da platéia mirim.
O guri maneja com destreza a canoa, conduzindo-a de lado com um enorme toco apoiado no fundo do rio, e onde avalio a profundidade afinal, q não é muita. Aproveito pra lhe perguntar de camping e td mais, mas num piscar de olhos já estamos na outra margem, para me despedir dele após dar o "agrado" de um real. Enfim, Caraivas.
Aqui eu já sigo rio adentro, sempre pela margem, onde um caminho de areia mistura-se ao mangue e logo me encontro no começo da vila propriamente dito. Ao perceber um pequeno barzinho, o "Mangue Bar", vazio e sem movimento algum, mando as favas minha busca de camping e de preços, pois é ali mesmo q vou estacionar! Chegar aqui foi fácil, sair q certamente sera difícil! Exatas três da tarde! Estou suado, exausto, costas doendo e com pé dolorido "mezzo-verméio-mezzo-branquelo", andando há mais de sete horas quase inipterruptas. Caminhada tão bonita qto árdua, estava eu ali desfrutando do meu premio gelado nesta parada mais q sedutora. Sol, sombra e cerveja fresca. Simples como a vida deve ser.


UM "CARA-PÁLIDA" NA SELVAGEM CARAÍVAS

Recém-chegado no vilarejo de Caraivas, de quase 500 habitantes, e me espreguiçando confortavelmente na cadeira de plástico do botequinho, observo o movimento manso e o vai-vem desta vila, nascida de um agrupamento de índios e escravos um século atrás. Apesar de calma, Caraivas já foi outrora bem agitada, pois era o centro de extração e escoamento de madeira, a piaçaba - tipo de palmeira usada pra fazer vassouras - e pequi - pra fazer canoas - hj bem raras na região.
No calmo e sinuoso Rio Caraivas, bem na minha frente, crianças brincam, mulheres lavam roupa e canoeiros vão estacionando seus "veículos" na margem, bem ao lado de um pequeno manguezal. Este rio e o mar ditam a vida aqui, pois a pesca é o único meio de sobrevivência. Do outro lado do rio, um pequeno morro repleto de coqueiros enormes e algumas casas espalhadas.
Nunca me senti tão bem sentado numa cadeira de plástico, onde terminei tomando duas garrafas de Skol quase q instantaneamente! A sensação é q o tempo parou ali, uma vz q a palavra pressa não existe e sem dar-me conta, acabo ficando um tempão no bar. Caraivas merecia um dia a mais pra ser apreciada calmamente, onde eu recuperaria as energias pra dar continuidade à minha caminhada. Nesse meio-termo, converso rapidamente com dois mamelucos do estabelecimento. Tal como os antigos portugueses, pequenas crianças indígenas me recebem oferecendo estatuas e pratos de madeira, colares de sementes, pulseiras, etc, a tiracolo. Oriundas de uma aldeia pataxó próxima elas vem vender artesanias da aldeia, ganhando assim o "caiãmbá" de cada dia.
É hora de buscar alojamento! Sigo as indicações do pessoal do bar e entro numa das ruas de areia fofa da rústica vila. Misturados aos nativos, muitos jovens igualmente vem e vão, com cangas, pranchas, etc. Algumas crianças insistem em me ofercer pousada mas recuso a oferta. Sigo por uma rua mais ampla, paralela ao rio, onde encontro o camping indicado. Lugar bem simples, mas com boa infra. Um pátio enorme de areia batida, sob a sombra de frondosas arvores, onde há muitas barracas mas não vejo sinais de movimento. Tb pudera, com um local lindo e torno..
Compro mantimentos numa pequena mercearia, bem simples -de nome "Carrefour" - bem próxima do camping. Andar pelas ruas, q não tem numeração nem nomes, de Caraivas é um pouco trabalhoso. A areia é fofa demais e há trechos onde o pé realmente afunda bem. Como não há carros ou veículos motorizados, existem os "táxis" dali, são as pequenas "carroças pataxó", charretes à disposição dos menos adeptos de caminhar. A rua é bem ampla, repleta de transversais q levam q levam ou pro rio ou a praia. As casas são muito simples - de taipa, ou seja, armação de galhos e paredes de barro - e boa parte delas tem um quintal enorme, repleta de arvores. Vjo algumas casas mais modernas, geralmente as q esta escrito "pousada", porem são escassas e gde parte delas esta ainda em construção.
Seguindo marcas deixadas pelas carroças e pedestres num caminho mal traçado, termino chegando no q seria o centro comercial dali. Td muito simples e rústico. Pequenas casinhas lado a lado, uma igrejinha, um pequeno cais, alguns forrós, etc. Começa a escurecer e os turistas retornam de seus passeios diários. Cansado, volto por camping pra tirar um cochilo.
Acordo por volta das duas da madrugada com o som animado de um forró próximo misturado com o "tuc-tuc-tuc" do gerador do camping, uma vez q não há eletricidade na vila. As ruas estão vazias e so não estão totalmente escuras devido a iluminação proveniente de alguns lampiões dispersos pro algumas casas, já q luz das poucas pousadas acaba ate dez da noite. Mesmo assim não dá pra competir com o brilho do céu, totalmente estrelado, tal como nos tempos de Cabral. Embora as ruas estejem vazias, nos arredores de um dos forrós - são três , Ouriços, Ximo e Pelé, q funcionam no sistema de rodízio - dali está um burburinho só, com muitos jovens misturando-se naturalmente a nativos tentando entrar (ou recém-saindo) na agitada "casa noturna", tb movida a gerador.
Aqui ta meio muvucado e retorno pro camping pelo lado do rio, com cautela pra não tropeçar na corda q prende os botes, pois a medida q me afasto do forró entro novamente na escuridão total da vila.
Ao chegar no camping, termino conversando com uma galerinha recém-chegando das baladas noturnas dali, q não e resumem somente ao forró, há tb os barzinhos de reggae e mpb da orla da praia. Esta galera era oriunda de td qto é canto: Brasília, Goiás, Minas, Floripa, etc e tal. Tinha uns q estavam ali há mais de um mês!! Uma jovem se queixava q não conseguia falar com a família pois o único orelhão da vila - movido a energia solar - não funcionava pq estava nublado. E é com esta galerinha q acabo pegando belas dicas do q fazer no dia seguinte, isto e, hoje ainda. Um cesto com água, pendurado sobre a mesa me desperta a atenção no local onde conversamos, q seria área reservada à cozinha do camping, com redes, bancos e almofadões disponíveis. "É pra espantar pernilongos!", me diz a brasiliense. Como não podia deixar de ser, a maconha rolava solta, e um dos goianos - valendo-se do principio da pressão atmosférica, uma caixa de isopor cheia d’água e de uma garrafa pet cortada na metade - fumava de uma maneira tão curiosa qto trabalhosa.
Assim ficamos conversando ate altas horas da madrugada, quase ate ver os primeiros raios do sol despontarem no horizonte. Lentamente, todos forma se recolhendo pra suas barracas, inclusive eu, claro! Não precisou muito pra cair no sono.
Levanto horas depois com o barulho de jovens tomando seu "café da manha", q, entre outras coisas, consistia de maconha e pinga. O meu café é mais tradicional, afinal hj queria curtir a vila. São quase nove da matina dessa sexta feira tranqüila e nublada. Começa a chuviscar levemente e fico boa parte do tempo descansando na barraca, entre arrumações e leituras afins. Em seguida, lavo minhas piores pecas de roupa nos inúmeros tanques disponíveis. Tb dou uma mexida na barraca, pois estava sobre um formigueiro. E assim a manha transcorre sossegadamente.
Por volta das onze da manha o sol aparece com força total, num céu espetacularmente limpo e claro! Hora de passear pela vila, q começa sim a dar sinais de movimentação. Ao andar pelas ruas de areia descalço lembrei de um conselho do pessoal do camping: usar chinelos, apesar da tentação de caminhar massageando os pés. Isto pq muitos haviam contraído "bicho-do-pé" nessas circunstancias. Embora eu sentisse uma leve dor na planta do pé, fiquei com receio de ter pego o dito cujo, ainda mais ao me lembrar dos meios medievais utilizados ali na vila pra extrair o danado. Calcei chinelos imediatamente.
Dou uma geral pela vila e me dirijo pra praia, quase bem na foz do Rio Caraivas, por onde chegara. Crianças pataxos começam a chegar com seus produtos, e as poucas barraquinhas de palha bem simples começam a abrir pelas proximidades. Eis meu "programa-de-índio" do dia: ir pra aldeia pataxó de Barra Velha, localizada a 6km dali! Estava curioso, já q os pataxós são descendentes dos tupiniquins, os índios q receberam os primeiros portugueses.
Sigo pela praia, com muitos jovens chegando, já estacionando suas esteiras ou cangas na areia clara. Neste trecho pode-se ver algumas pousadinhas e bares bem rústicos rente a areia, mas a medida q se anda pro sul, a praia fica incrivelmente deserta, sem nada e ninguém a vista! Os tons de verde e azul do mar contrastam belamente com a claridade da areia e com os coqueiros baixos q pro ventura aparecem no caminho, embora a paisagem em geral seja de planície de restinga de mato bem rasteiro. Eventualmente, há alguém se protegendo do sol escaldante sob algum toldo bem baixo, feito de palha mesmo. Apesar da maré estar alta, pode-se ver uma barreira de recifes ameaçando timidamente aparecer nas águas calmas.
No caminho, faço amizade com duas jovens paulistanas q apenas caminham na praia. Não sabiam da aldeia e as convido pra me acompanharem, convite q elas topam na hora. Apesar do papo agradável, a caminhada pela praia parece interminável, pois a partir de um determinado trecho a areia torna-se bem mais fofa e há uma certa dificuldade em andar.
Enfim, chegamos no meio de uma enorme enseada onde vemos algumas crianças brincando na água, uns tocos perfilados na água no q deve ter sido outrora um cais, alguns índios descansando na sombra de gdes amendoeiras na orla. Uma placa da Funai, ao lado de uma velha casa, proibindo a entrada é indica q pra aldeia basta seguir uma trilha de terra batida restinga adentro. É quase um da tarde, o sol ta a pino e estamos sem nenhuma garrafa d’água. A sede pega, nesta q foi uma das burradas desta caminhada pelo dia q julguei curta e não houvesse necessidade de trazer mochila a tiracolo.
Da praia seguimos por um caminho entre arbustos e nenhum coqueiro pra nos agraciar com sua bendita sombra. Um tempo depois chegamos no q seria a "porta" de entrada da aldeia, um conjunto educacional pouco preservado e bastante simples, onde coletamos infos, alem de beber algo nos sanitários de lá. Andando mais um pouco, e as meninas visivelmente cansadas, segue-se uma estradinha meio sinuosa e inclinada, ate q enfim chegamos na aldeia propriamente dita. Ufaaa!
Aldeia? Bem, é verdade q o contato com o homem branco já descaracterizou muita coisa por lá, mas como o turismo e venda de artesanato tornou-se meio de sobrevivência alternativa deles, sempre tem um grupo vestido "a caráter" pra mostrar um pouco de sua tradição e cultura. Primeiro uma ruazinha de terra, onde de ambos lados há casas simples de taipa perfiladas, nas quais muitas crianças indígenas já saem ou assomam a cabeça pela janela. Uma criança bem faladora, a Joana, junta-se a nos, perguntando se queremos falar com o pajé ela nos leva ate ele. Toda pessoa q vem de fora tem q falar com o pajé.
Chegamos num enorme descampado onde um marco talhado em madeira indica q estamos na "Aldeia Mãe Barra Velha, Reserva do Mte Pascoal, Primeira a ter contato com civilização em 1500", a jovem Joana - agora com mais dois indiozinhos conosco - nos conduz por uma trilha em meio aos arbustos ate chegarmos numa pequena clareira com muitas arvores de copas altas. Espalhados em torno essa clareira, casas de taipa se alternam com ocas de palha. Mais rústico, impossível.
Mal chegamos e aproxima-se o pajé Arakuri, um jovem índio vestido de uma saia trançada de palha, cocar e bem pintado no rosto. Nos já deixamos bem claro q estamos somente de passagem e, portanto, duro$, uma vez q toda essa prestatividade por parte de todos decerto mereceria um belo "agrado" no final. Mesmo assim, e parece q o movimento tava meio fraco assim naquele dia, Arakuri (cujo nome de "branco", Humberto, é apelido) nos explicou de boa vontade algumas coisa sobre sua aldeia, enquanto um monte de outros jovens adolescentes devidamente caracterizados formava-se atrás. Nos contou, com orgulho, q são os jovens - como ele - q estão dando vida nova a aldeia com o turismo, resgatando a cultura da aldeia sem perder de vista a modernidade. Na cara-de-pau ele nos diz q se fossemos estrangeiros eles ate dançariam e cantariam números pataxós pra nos. Pois e, o valor do din-din eles conhecem bem. Mesmo meio q modernizados, percebe-se um ar meio de ingenuidade no sorriso imaculado deles.
Na porta de uma das casas, o cacique Tururim, um senhor muito velho fica pilando um pó vermelho, chamado urucum, com o qual pintam o rosto. Dentro dela, fabricam farinha de mandioca, mostrando o processo de prensagem ate a confecção da tapioca e do beiju. Alem de fermentarem o cauim, um vinho de mandioca. Bem interessante. Muitas crianças acompanham td olhando pela janela, e uma delas me oferece um graveto pra cheire ma gosma na ponta dele, origem de um creme "anti-catarro" conhecido. Alem disso, nos contou da origem do nome pataxó ("agua q bate nas pedras"). E apesar de viverem em um tipo de aldeia, os demais índios se vestem com bermuda e camiseta.
Lamentei não estar com mais grana nessa hora, aquilo era uma aula de antropologia ao vivo q não poderia deixar ficar registrada em foto. Ainda na melhor tradição indígena,"escambo", poderia ter trazido bugigangas pra moeda de troca. As paulistanas trocaram bijouterias por belos colares e pulseiras artesanais com as índias, q exibiam os novos adornos com orgulho e um sorriso ingênuo no rosto. Eu tinha míseros 5 pilas e o Arakuri me fez um "pacote-de-indio" por eles. Juntou 5 índios pra bater uma foto. Pra minha felicidade, juntaram-se mais algumas índias q falaram: "Ah, só to entrando na foto pq gosto de aparecer!"
As meninas já estão cansadas, com fome e sede e é hora de partir. Se tivéssemos mais grana, era capaz dos índios nos receberem com moqueca de peixe feita na folha, da maneira deles. Não era o caso. Nos despedimos do Arakuri e voltamos pelo mesmo caminho, sempre seguidos da Joana, q pega uma "mangaba" direto do pé e come com gosto. Parece q ela tb espera um "agrado" de nossa parte, mas fica feliz ao receber algumas poucas balas q as paulistanas levavam, q divide com os seus dois irmãozinhos.
No caminho, muitas arvores frutíferas e plantações de mandioca e feijão. Mais a frente, comercio. Se eles enviam as crianças pra Caraivas venderem objetos de pequeno porte, aqui eles já tem uma espécie de mini feirinha onde expõem td e mais um pouco. Os artesãos se valem de td disponível e típico da região, desde folhas, sementes e penas de galinha pintada, para vender pratos e talheres de madeira, fruteiras, arcos, saias, cocares e ate suportes para luminárias, feitos com talo de dendê e côco.
Novamente no caminho de terra, com o sol escaldante, optamos por retornar pela praia mesmo, embora houvesse a possibilidade de voltar por uma estradinha paralela e quiçá conseguir carona de volta. Novamente na praia, e sob uma bem vinda e refrescante sombra de amendoeira, descansamos, bebemos água de côco enquanto contemplávamos a paisagem daquela praia linda, quase deserta onde o mar agora exibia uma coloração verde muito bonita!
Nosso retorno pela areia foi passo de lesma com preguiça. As meninas estavam muito cansadas e ate ofereço minha camisa a uma delas - bem clarinha - pra evitar q se queimasse mais. A maré baixou bem e deixou varias piscinas naturais entre os recifes e corais de vários e belos tons. Claro q foi aqui q as meninas se refrescaram varias vezes durante o trajeto.
Chegamos em Caraivas por volta das quatro e pouco da tarde, me despedi das gurias e combinamos nos encontrar de noite. A primeira coisa q fiz foi encontrar um botequinho na rua do meu camping e estacionar lá, descansar, relaxar e esticar as pernas bebericando uma gelada e belisco alguma coisa. O bar ta cheio de argentinos fumando maconha do meu lado, numa boa, o q me incomoda um pouco. Observo alguns velhos índios - com blusa eleitoral do ACM - revirando o lixo perto dali, e me lembro dos momentos na aldeia, torcendo pra q os jovens pataxos consigam levar a aldeia adiante com a nova leva de turismo sustentável q a vila parece começar a conhecer. Mais uma volta pela vila e vejo um grupo de alemães recém-chegados.
Volto pro camping, tomo uma boa ducha e janto miojao, já quase escurecendo. Mais tarde, começa a chover bastante o q faz com q quase todo mundo do camping permaneça na área de convivência da cozinha, onde providenciamos um animado "luau" q se estende pela noite adentro. Acabo nem indo encontrar as jovens, pois to bastante exausto, e preguiça de sair na chuva, embora já comece a ouvir os forrós de longe. Me despido da galera cantando e vou me recolher na barraca, enquanto a chuva parece diminuir um pouco. O dia seguinte a caminhada continua. Não são nem onze horas.
Rústica e selvagem. Quiçá o Brasil mais próximo de como o Brasil foi no passado. Assim é Caraivas. Não é chique-hippie como Trancoso, nem tem as megalojas do Arraial e muito menos as megabarracas de Pto Seguro. Na verdade, o q atrasa a invasão de muvucas é a dificuldade de acesso. Isolada pelo rio, mar e falésias, quem vem de carro enfrenta pontes duvidosas e uma péssima estrada q termina antes do rio, daí tem q atravessar - tal como eu - de canoa com sua bagagem! Entretanto, o turismo parece estar chegando lentamente neste ermo lugar, mas, felizmente, os moradores estão se organizando para q o progresso desordenado não roube o sossego dali e principalmente o q a vila tem de mais fascinante, a simplicidade.

"CORUMBAU E CAHY À VISTA!"

Acordo cinco e meia, ao som de gente retornando das baladas forrozeiras de Caraivas, mas somente parto uma hora depois daquela manha de sábado. Hj é aniversario de minha irmã, mas infelizmente amanhece encoberto, isto é, sem orelhão solar. Espero encontrar algum no final do dia, seje onde for. O dia parece promissor e igualmente quente. A noite fora tremendamente tranqüila, quiçá devido ao cansaço acumulado dos últimos dias.
Deixo as ruas desertas da vila, tomando uma transversal q rapidamente me deixa na praia. Pé na areia novamente. A maré esta bem favorável neste horário, deixando a praia bem larga, areia dura e firme. Daqui consigo ver a ponta na qual devo chegar, a Ponta de Corumbau, uma estreita faixa de terra q se perde no horizonte. Refaço o caminho de 6km ate a "porta" de entrada da aldeia pataxó, porem desta vez eu passo batido, praia abaixo, pois tenho 13 km pra caminhar.
Me encontro na enorme praia de Barra Velha, sempre dando uma olhadinha sobre o ombro, avaliando o rendimento da caminhada. Este trecho, após a aldeia, contem muitos corais e recifes planos q invadem a praia, nos quais procuro sempre pisar na parte esponjosa e não na parte rochosa, pra não correr risco de cortes ou ferimentos. Um ou outro pescador singram o mar daquela manha.
Após uma hora de caminhada nesta interminável praia é q começa o pior e mais difícil trecho da caminhada. A praia começa lentamente a se estreitar, inclinando-se mais e mais. A areia é meio grossa, seca e fofa; o pé afunda a cada passo dado, forçando as articulações dos calcanhares. Não dá pra andar rente a água pois aqui o chão não é duro, afundando o pé ate o tornozelo. Nem pela mata de restinga dá pra caminhar, já q o matinho rasteiro se enrosca facilmente nos pés, alem do medo de pisar em espinhos é enorme. O jeito era mesmo andar na areia fofa, a muita custa, uma vez q avançar nessas condições era muito desgastante pras pernas e o rendimento não era lá essas coisas.
Inúmeros pit-stops na junção da areia com a restinga foram feitos, onde aproveitava pra beliscar alguma coisa q reforça-se meu café-da-manhã. Neste trecho a mata rasteira de restinga se unia com mata atlântica, ao fundo, revelando uma vegetação bastante variada e curiosa, tal como o cardo, um tipo de cacto cujo fruto vermelho me disseram era bom de comer. No entanto, mais difícil q andar era encontrar um desses frutos q não estivesse bicado pelos pássaros.
E assim, após muito esforço e com a praia - larga - já mais generosa pra ser caminhada, quase nove da matina estou chegando na foz do sinuoso Rio Corumbau, bem do lado da vila homônima, onde não há tanto movimento qto o Rio Caraivas. Avisto uma casinha ou outra - de taipa e palha - aqui ou acolá, alguns barquinhos atracados nas margens rio adentro. Um placa no meio da restinga avisa q seguindo mata adentro já é reserva indígena (de Barra Velha) ainda.
Aqui não foi necessário nem esperar. Um jovem índio no outro lado da margem veio imediatamente me oferecer transporte pra vencer o rio, q era largo e fundo. O preço dos "agrados" deve ser tabelado, uma vez q tentei reduzir o preço do mesmo.
Mais um pouco e me encontrava na Ponta do Corumbau, onde efetivamente estava a vila. Bem na ponta há um simpático farol, mediano, de propriedade da marinha. Atrás havia o q eu julguei ser uma praça, onde sentei num dos banquinhos pra descansar e comer mais um pouco. Perto dali havia um terreninho com arvores onde algumas pessoas improvisaram armar suas barracas, e algo q julguei ser um chuveiro improvisado, td muito tosco. Será q era pago? Conversei com um senhor q se aproximou, e me ofereceu carona pra Cumuruxatiba. Recusei pois esse não era meu destino, mas peguei varias dicas dele. Corumbau, em tupi, significa "longe de tudo"/"fim do mundo" e não era para menos, uma vez q a praia, durante a maré baixa, adentra no mar quase 1km e os recifes formam piscinas naturais de água transparente. Chega a se ver as ondas quebrando no meio do mar e tem-se a ilusão q não existe mais nada na ponta de areia. Somente o céu azul.
Esta vila de pescadores é a menor de todo trajeto, porem mais moderna q Caraivas, uma vez q há estrada de fácil acesso ate aqui. Umas casas aqui e acolá, algumas transformadas em pousadas simples, uma pequena igreja, quiosquinhos e barracas pequenas, e, por incrível q pareça, quase ninguém na praia! O mar é farto e generoso, o q se vê nos cardápios a preços baratos de sururu e toda variedade de peixes.
Descansado, atravesso o pontal, parte da vila e me embrenho novamente na areia, desta vez a enorme Praia de Corumbau. Apesar da maré alta naquele horário, 11hrs, a ampla praia de areia fina e fofa permitia caminhar perfeitamente descalço na parte úmida, plana e dura. O sol aparece e some, não resolvendo de permanece definitivamente ou não. Isso era ate bom, pois não me desgastava fisicamente, mas tb não era uma vez q não podia apreciar o local iluminado de acordo.
Esta praia é interminável, ornada de coqueiros próxima da areia e uma estrada de terra q segue paralela, mas em seguida adentra no continente. De longe consigo divisar elas bem pequeninas, minhas amigas falésias a me esperar.
Se eu estivesse em alto-mar provavelmente teria a mesma visão q Cabral teve naquela tarde 22 de abril de 1500, após 44 dias no mar, e gritaria: "Terra a vista!!", isto é, "Corumbau a vista!!" Afinal, o primeiro contato visual com terras tupiniquins foi de um morro q se destaca em toda a planície daqui, o Monte Pascoal (532m), q só é visível do mar e q continua orientando os pescadores da vila. Em torno do Mte Pascoal foi criado um parque homônimo, q preserva mata atlântica, sua fauna e flora originais.
A caminhada prossegue tranqüila, eventualmente cruzo com alguma criança, pescador ou algum turista solitário andando pela enorme praia. Uma hora depois de deixar Corumbau o cansaço pega e tiro um momento de relax numa esteira de madeira, q deve pertencer a uma propriedade particular - alias, a única - q vira por ali.
A medida q me aproximo da barreira de falésias, noto o surgimento de quiosques e barracas novamente. E a praia deixa de ter areia fofa e esta repleta de rochedos pequenos espalhados q são facilmente contornados. Vejo, de longe, q mais a frente as enormes falésias adentram ao mar, e agora? Pergunto pra uns senhores q caminhavam por ali e me dizem q não há caminho por cima, q é pela praia mesmo e q dá pra caminhar pelas pedras na base da falésia. Será? Bem, se eles estavam retornando de lá, então vamos lá, embora eu estivesse meio desconfiado.
Um tempo depois, após desviar de vários rochedinhos no meio da praia e muitas pedrinhas tb, chego basicamente no fim da Praia de Corumbau, onde uma enorme falésia serve de barreira natural, entrando no mar. Não havia visivelmente nenhum caminho subisse. Bem, se os caras disseram q podia ir por baixo pra seguir pra próxima praia é pq não deve ser mto fundo. E assim, pulando de pedra em pedra, recifes e corais, vou lentamente entrando no mar, ao pé da falésia.
Antes de chegar na ponta da mesma, percebo a importância de checar a maré antes de caminhar. A maré estava alta e provavelmente na baixa se pudesse transpor aquele trecho numa boa, pela areia, sem ir de pedra em pedra. Naquele caso, as ondas batiam meio q fortemente na ponta da falésia, e a água chegava quase na cintura. Ai tive meio q cronometrar minha passagem pelas pedras - calculando o momento em q o mar repuxasse e viesse mandar uma nova onda - pra não sair inteiramente molhado a passar por outro lado.
Coloquei meu chinelo e mandei ver. Meio q rápido fui pisando de pedra em pedra, me firmando nas laterais da falésia. A caminhada é cautelosa, uma vez q vc não vê a pedra coberta pela água. Logo a canela é coberta pela água. O temor de pisar em falso e cair no mar atrasa meu ritmo e ultrapasso o limite de tempo. A água vem. Tchibuuum!!!! Uma enorme onda castiga forte por trás, me jogando quase q de cara na parede rochosa da falésia, onde me agarro bem. "Merda! Merda!", pensei. Com a mochila encharcada (e mais pesada) a preocupação dobrou. A onda me desequilibrara e por sorte não caíra de costas no mar! Escalar a falésia com mochila? Sem chance. Pensei em retornar, mas já q estava ali segui adiante. Dane-se. Quem ta na falésia é pra se molhar!
Angustiado c/ a situação, vi q o repuxo do mar deixava a mostra as rochas a serem pisadas, mas não por muito tempo. Tchibuuum!!!! Novamente me agarro nas saliências da falésia, totalmente encharcado, amaldiçoando a bendita onda. Com mais agilidade, meio q no desespero, já dá pra ver o outro lado da falésia e o qto falta pra sair desse sufoco. Tchibuuum!!!! Agora já estou deixando as ultimas rochas pra pisar novamente em areia firme, completamente molhado. Foi a única vez q entrei em águas da costa bahiana.
Sentei numa pedra e minha primeira providencia foi checar os estragos. Felizmente meu habito de ensacar td com plástico poupara boa parte de meus pertences, principalmente roupas e maquina fotográfica. O q não saiu ileso foram boa parrte de anotações, a barraca, algumas guloseimas e papeladas soltas pelos bolsos da mochila, q tb ficara pesada. Paciência.
Molhado, porem refrescado com água do mar, dou prosseguimento a minha caminhada. Agora a caminhada é por uma praia deserta estreitíssima com falésias enormes do lado. Era com se estivesse andando pela calçada da Paulista, onde a rua é o mar e os edifícios as falésias. Fiquei preocupado com o tempo ainda q tinha a caminhar, somente informações desencontradas. Se a maré subisse mais estava ferrado pois não teria como subir as falésias, e se a noite chegasse não haveria espaço hábil pra estender a barraca. O jeito era seguir adiante, agora com o sol mandando ver.
A caminhada se mantém inalterada por muito tempo, e o cansaço já pegando, pra variar. Pra não dizer q a paisagem mudava, eventualmente havia alguma brecha nas falésias e levava provavelmente a alguma fazenda, visto q de cima havia muitos coqueiros e algumas cercas. Entretanto, nunca me senti tão desolado e isolado por algo tão bonito e majestoso como as falésias. Nenhuma pegada na areia. Num trecho, minha atenção é desviada por urubus - q voam diante minha aproximação - beliscando uma enorme tartaruga marinha morta na praia.
Devem ser quase uma e meia qdo noto primeiros sinais de vultos, ao longe, no fim de uma enseada. Ate q enfim! Mais adiante, as falésias cedem lugar a mangue, o q é sinal de rio nas proximidades.
O sol das duas da tarde esquenta as areias brancas da Barra do Cahy, finalmente!! Estou na praia Nicolau Coelho onde, antes do rio, há uma enorme e bem trabalhada cruz, junto de uma placa comemorativa q relembra a importância histórica do local. Foi aqui q houve o primeiro contato com os índios. Explico: após ver o Mte.Pascoal, Cabral aproximou-se e ancorou a 30km da costa. Daí, mandou um tal de Nicolau Coelho e mais uma galera num bote mas q não conseguiu desembarcar devido ao mau tempo. Apesar disso, conseguiram fazer contato visual com tupiniquins exatamente nesta praia!! Cabral so pisou mesmo em terra firme dois dias depois, mais ao norte, em Coroa Vermelha, perto de Pto Seguro, onde os recifes garantiam segurança para as embarcações.
Ao me aproximar da foz do sinuoso e calmo Rio Cahy, vejo algumas famílias curtindo esta bonita praia, mas principalmente as inúmeras piscinas formadas por este rio nas areias, q lembram mesmo é enormes dunas de areias claras! Muitas piscinas represadas em virtude das marés com águas dos mais diversos tons de azuis e verde, fazem a alegria das crianças, realçada ainda mais pelos raios vespertinos a pino! Uma visão muito bonita q confirma q este é o local mais bonito da travessia!!
Observo os jovens atravessando facilmente o rio, com água ate a cintura, o q me encoraja a fazê-lo tb, já q aqui não havia barqueiro algum caso precisasse. No outro lado, subo trôpegamente esta maravilhosa praia e aprecio o visu rio adentro: serpenteando a praia ele segue, mata adentro. Não há vestígio algum de vila nem nada, apenas um quiosquinho flutuante na beira do rio, onde os poucos turistas vem e vão atravessando o rio na parte rasa.
Daqui em diante as falésias tomam conta novamente da paisagem, repletas de palmeiras e coqueiros em cima. Me pergunto: Cadê a vila? Cadê os moradores? Não vejo nada, somente turistas e uns dois quiosquinhos!! E é num deles,ao pe da falésia, q vou matar minha sede alem de esclarecer minhas duvidas. A Barra do Cahy não é vila, cidade nem aldeia. É apenas uma atração da Costa do Descobrimento! Não há alojamento algum, justamente pra preservar intocado. Puts, e agora? Felizmente o dono do quiosquinho (o Bar Gloria) tinha um terreno q servia de camping improvisado perto dali. Ainda bem, pois alem de cansado, não tava nem um pouco afim de seguir andando ate a próxima vila, uns 16km dali.
Mando ver duas Skol - bem carinhas - q refrescam minha goela, enquanto converso com o "garçom" perguntando dicas e orientações pra seguir trilha. O "Garçom" era um jovem q vinha da vila próxima, Cumuruxatiba, de bike e conhecia bem os horários das marés já q ele vinha pela praia. No quiosquinho alguns turistas passavam o dia, depois de terem curtido as praias e o sol dali. Com razão. E permaneço ali um tempinho razoável, descansando, embalado pelo vento, q sopra sem cessar as folhagens dos coqueiros ao redor.
Preciso me livrar da mochila. Sigo um caminho por trás do quiosque q sobe a falésia e, num piscar de olhos, já me encontro sobre ela. De fato, o descampado era enorme e mto bonito, repleto de coqueiros enormes q lhe impõem um charme especial. Há uma casinha simples - do dono do quiosque - e uns banheiros mais ao fundo, nada mais. Sou o único acampado ali, ond aproveito pra colocar pra secar td q molhara horas antes. Cansado, tomo um banho, preparo 2 miojos e tiro um breve cochilo pra repor as energias.
Por volta das cinco saio pra conhecer os arredores. O tempo continua agradável porem já não havia muita gente e ainda posso observar os últimos veículos partindo por uma estradinha de terra. O quiosquinho havia fechado. Desço à falésia e me dirijo a foz do rio, ladeando as pelas piscinas naturebas. Subindo outra falésia por um belo caminho, sempre salpicado de enormes coqueiros, uma placa indica q este belo setor faz parte do EcoParque Museu Aberto do Descobrimento, por onde sigo uma trilha bem sinalizada com infos didáticas do local, alem de belos mirantes da praia de onde pude ver o quanto andara aquele dia e observar como as águas escuras e frias do rio se mesclavam a água morna e clara do mar.
Começa a escurecer e, sem mais nada pra fazer ali e sem mais ninguém mesmo, resolvo voltar pra barraca. O bar estava fechado, nem sinal dos garçons. O dono não devia estar na casa pois não vi luz alguma. Alias, creio q nem eletricidade havia embora tenha visto um gerador, mas q não foi usado o tempo em q estive ali. Os turistas já haviam partido há tempo.
Qdo escureceu, aquilo ali ficou um bréu total! Nenhuma luz nem nas proximidades. Nada, a não ser alguns vagalumes q passeavam por ali. E o céu, claro, coalhado de estrelas! E assim, adormeci novamente por volta das sete e meia, apenas acordando algumas vezes durante a noite ao sentir algum vento soprar entre os coqueiros e alguns pingos dagua fustigarem levemente o teto da barraca.
Foram quase 10km intermináveis desde Corumbau e mais de 20km desde Caraivas. Agora me encontrava nas praias isoladas belíssimas de areia branca da Barra do Cahy, q pra mim agora parecia uma miragem de paraíso. Se por questões técnicas Cabral não desembarcou aqui devemos ficar gratos por isso. Ainda bem, pois com certeza ela não seria o q ainda é, pois nunca me senti tão só num local tão bonito, desolado e selvagem como aquele. Enfim, único.
AS MARÉS QUE REGEM CUMURU
Acordei bem cedinho, antes do sol raiar, afim de caminhar um pouco pela praia e ver a qtas andavam as marés, q felizmente estava bem baixinha. Qdo o sol começa a despontar, ele tinge de uma cor maravilhosa a enorme falésia na qual estou acampado, fazendo suas gradações de tonalidades escarlates mudarem de uma hora pra outra. Muito bonito.
Levanto acampamento rapidamente, pego água e pé na areia. Hj tenho q chegar ate a vila de Cumuruxatiba, distante apenas 14km dali. Não vejo sinal de ninguém, nem no quiosque. Sera q alguém trabalha ali?
Sem mercearia e sem quiosque aberto, fico sem meu tradicional café da manha. O jeito é comer miojo cru pra enganar o estomago. Levanto acampamento, sob ataque de uns mosquitinhos bem pequeninos e parto novamente pra praia, as seis e meia.
Estou agora na gde Praia do Calambriao, ampla, de areia dura e com as sempre presentes falésias a me acompanhar. So não falo q ta deserta pois já logo no meio do trajeto vejo dois dos garçons pedalando calmamente pela praia rumo Cahy. Agora é fácil continuar, pois é só seguir as marcas dos pneus na areia, embora haja pequenos cursos dagua e córregos q atravessem a praia, e tb algumas escadinhas ou caminhos apareçam eventualmente entre as falhas das falésias levando pra propriedades particulares sobre elas.
Uma hora e meia depois, já na Praia de Imbassuaba, as falésias vão se distanciando da praia, cedendo espaço pra mata atlântica, gdes amendoeiras e pés de anbricol, cujo frutinho amarelo forra o chão aos montes. Pego um q não estava bicado pelos pássaros e noto q tem gosto de uma pequena maçã, porém seca. Não gostei.
Finalmente, chego no q deve ser o final da falésia, q mistura-se com rochedos, vai de encontro no mar. É a Ponta de Imbassuaba e fim da linha. Antes dela, porém, as marcas dos pneus da bike desviavam rumo uma pequena porteira, ao pé da falésia. Daqui segue-se uma trilha q vai dar numa pequena fazenda, sobre a falésia, onde colho mais infos pro único caseiro da casa. A vista daqui é muito bonita, ainda mais com enormes bromélias ornamentais.
Passo outra porteira e já estou num caminho de terra em meio a muita mata e arbustos de gde porte. Aqui começa a chuviscar um pouco, mas logo pára. Meia hora nesse caminho deserto e sinuoso, ele vai de encontro numa estradinha maior, de mão dupla, igualmente de terra, mas já visivelmente com mais movimento. Aqui basta seguir o fluxo indo pro sul.
Mais adiante, após alguns sobes e desces, termino chegando num local q vai novamente de encontro a praia, ou pelo menos, rente a ela. Já se vêem mais casas, pousadinhas simples e movimento. Praticamente já chegara em Cumuruxatiba e nem nove da matina eram!
Ao cair na areia, sou informado q me encontro na Praia do Paraíso ou Moreira, estreita e repleta de verde perto da areia. Olhando pra esquerda, observo ao longe a Ponta do Moreira, uma falésia enorme cheia de rochedos na base, realmente impossível de transpor pela praia.
Seguindo pro sul, já sem falésia alguma e sim com muito verde, coqueiros e palmeiras de porte médio. A medida q vou andando, mais e mais movimento. Há uma rua de terra q segue paralela à praia onde se vem um transito razoável de veículos. Atravesso as pequenas praias do Peixe do Rio Gde e Peixe do Rio Pequeno, cortadas sim por dois cursos dagua, q nem chamaria de rio.
Enfim, chego na praia do agito exatas nove e meia, a enorme Praia de Cumuruxatiba, repleta de algas na areia deixadas pela maré. Quiosques e barracas maiores, muita gente, cadeiras e mesas de praia, etc e tal. O sol está muito forte e o calor é intenso. Pergunto numa lojinha na orla por camping q, pra minha felicidade esta bem próximo, na estradinha paralela a praia. Dito e feito, é lá mesmo q encostei minha barraca. Campão de terra enorme, boa infra, muita sombra e razoavelmene cheio, parecia clube de tanta coisa à disposição, tinha ate salão de jogos!? Mas nda me chamou mais a atenção ali q uma placa bem do lado dos vistosos e pequenos coqueirais: "Côcos com veneno"(!?) Seria para inibir a retirada dos mesmos? Vai saber...
Após montar acampamento, banho e td mais, o primeiro q fiz foi ir pra cantininha do camping - onde um cara q não parava de falar do robalo q havia pescado - onde tomei aquele carregado café-da-manhã decente: café-com-leite e um enorme hamburguer! De barriga cheia, tenho um dia todo pra passear aqui!
Cumuru, como é carinhosamente chamada, é uma calma vila de pescadores q somente agora desperta para o turismo, por isso pode-se ver casas simples de madeira com um pescador consertando sua rede bem ao lado de uma pousada repleta de veículos de td pais. Tem uma rua q é a principal - aquela já mencionada - onde, do lado da praia, se concentra de td, desde quiosques, barracas, agencias de mergulho e passeios, lojas de souvenires, etc. Do outro, muita mata onde há algumas pequenas travessas onde se concentram varias pousadinhas dispersas aqui e acolá..
Na praia, o zumbido de um parapente desperta a atenção dos banhistas, q acompanham a aeronave pousar maciamente na praia, q no momento ta razoavelmente estreita devido a maré. Cadeiras e mesas de quiosques se espremem na faixa de areia branca e fofa. Barcos e canoas simples - no mar e na praia - lembram constantemente a vocação do lugar. Numa ponta, há as ruínas de um cais - pares de tocos de madeira q adentram no mar - q dão um charme especial ao lugar, e de onde algumas crianças brincam alegremente. É um dos cartões postais do local.
Seguindo a rua principal, de terra obviamente, ela se afasta um pouco da orla e adentra um pouco no centro da vila onde torna-se asfaltada. Aqui há botecos, casas de locais, restaurantes, forrós, mercearias, feirinhas artesanais simples, inclusive um Albergue da Juventude. Alguns estabelecimentos fazem questão de lembrar o nome da vila, tais como "Cumurupão", "Cumuruferramentas", "Cumuruadega", e por ai vai. No final desta rua, ainda paralela a orla, a vila termina subitamente, uma vez q recomeça a estrada de terra q segue ate Prado. Daqui já posso vislumbrar o q me aguarda amanha, uma seqüência infindável de falésias q se perde no horizonte!!! Daqui em diante deixa-se a Costa do Descobrimento e entra-se na Costa das Baleias. Se eu seguisse 70km, em direção sudeste mar adentro, estaria chegando no arquipélago de Abrolhos.
É aqui tb q noto o mar quase invadindo toda a praia, q quase desaparece ao pé das falésias! O próprio nome da vila quer dizer, em indígena, "local q tem gde diferença de maré alta e baixa". Na volta, novamente na praia de Cumuruxativa,, percebi q quase todos os estabelecimentos haviam recolhido boa parte de suas cadeiras e mesas em virtude da maré alta. E locais onde faltava muito pouco pra água encostar nas casas e barracas! Eu achava q elas mudassem apenas duas vezes ao dia, mas não. Ela muda quatro vezes! Algo realmetne impressionante!
Naquela tarde infernal, paro pra descansar num quiosquezinho pra tomar umas beers, enquanto algumas crianças tentam vender chapéus confeccionados com uma palha verde aos banhistas q se espremem no q sobra de areia na praia.
Tranqüilamente, volto pra barraca pra dar um trato nas coisas. Seguindo uma trilha q sobe o pequeno Morro da Fumaça, atrás do camping, chego num belo mirante, de onde pode-se apreciar a pequena Cumuru, imersa numa faixa de verde q contrasta com o verde-azulado do mar. Seguindo outra trilha vamos dar numa pequena represa natural, onde muitos jovens se banhavam. Eu, q não curto água salgada, não recuso um tchibum de água doce e mando ver, aproveitando enquanto o sol ainda ta forte lá em cima!
Como banho é sinônimo de fome imediata, volto pro centro comercial e passo a procurar um bom local pra comer bem. Desta vez não quero miojo, quero um prato! Acabo encostando num restaurante bem simples, porem aconchegante. Já devem ser cinco da tarde pois o sol esta cada vez mais fraco. O cardápio é tão variado qto tentador, principalmetne qdo não se conhece lhufas de culinária bahiana: porções de carne de sol c/ aipim, moela, lambreta, pão de carangueijo, caldos de lula e sururu, bolinho de aipim com siri, etc. Após muito pensar, acabo optando pelo bom e velho PF de carne de sol, q nunca esteve tão saboroso. Dose foi ficar espantando as inúmeras moscas q ali havia.
Deixo o local satisfeito, lambendo os beiços. Passei numa lojinha comprar um souvenir básico, comprei pão pro dia seguinte e fiquei zanzando a toa. Escurece e um brilho novo toma conta de Cumuru, o dos "arrasta-pé" com sua musica ensurdecedora. O movimento na praia termina e começa o da rua, bem movimentadas de turistas - todos arrumadinhos - indo e vindo.
Por volta das oito/nove da noite, e bastante cansado das andanças do dia, resolvo me recolher. A noite é uma criança em Cumuru. O céu estava limpo e a temperatura agradavelmente fresca. No entanto, eu tinha um cronograma a seguir e o dia seguinte seria de muita caminhada. Precisava descansar e dormir bem, o q não requereu muito esforço, apesar do barulho insistente de forró no ouvido a noite toda!
Em poucos lugares do mundo o nível das águas varia tanto num mesmo dia. Qdo o mar sobe, some com as praias e bate nas falésias; qdo baixa, deixa descobertas uma serie de surpresas, recifes, corais e a própria Cumuru, q encanta os turistas. Isso já a 500 anos.

ENFIM, CHEGANDO EM PRADO!

Fora o zumbido constante do forró (bem melhor q o "aêaêaê do axé) no ouvido, pior foi o zumbido de pernilongos irritantes q haviam adentrado ardilosamente em minha barraca, mas td bem. Eu durmo em qq circunstancia. E dormi mesmo, e bem. Acordara bem cedinho, quase cinco e meia da matina, pois esta manha andaria à beça. Nada mais q 30km até Prado.
Meia hora depois eu já estava com pé na rua principal central. A praia está bem larga e o mar calmo. Cumuru está praticamente deserta nesta segunda-feira, apenas alguns locais indo e vindo da padaria, q recém-abrira. Atravesso a vila toda e num instante já me encontro no fim da estradinha. É hora de cair na areia.
Impressionante como a maré baixa. Ontem, esta região pela qual agora andava tranqüilamente eu não poderia nem sequer pisar, de tão inundada q estava, com direito ate pequenas arvores engolidas pela metade!? De início tive ate dificuldade em caminhar pelos montes de algas deixadas, com receio de machucar meus pés, mas logo depois a praia fica quase q livre completamente de sujeirinhas deixadas pelas águas.
Agora, na Praia dos 2 Irmãos, torna-se bem larga, de areia dura e bem firme, ideal pra caminhar! À minha direita, as companheiras quase q constantes desta empreitada, as falésias! Uma trás a outra! O sol da manha impõe a estas enormes muralhas cores vivas, q vão do vermelho, laranja ate o lilás! Outro detalhe é q em algumas paredes de falésias, as camadas de sedimentos são tão evidentes e ganham destaque pelo fato de lembrarem pinturas e desenhos rupestres.
Nas praias seguintes, as enormes e intermináveis Japara Mirim e Japara Grande, a paisagem mantem-se inalterada. O q me chama mesmo atenção são as praias desertas mesmo. Somente lembro de ter visto 3 locais, de bicicleta, indo pra Cumuru. Neste trecho tb existem inúmeros pequenos riachinhos q cortam a praia, facilmente de serem transpostos e onde há possibilidade de beber água fresca, embora eu carregue minha garrafa a tiracolo sempre abstecida.
Aqui as falésias não são continuas, como no trecho Corumbau/Cahy ou Arraial/ Trancoso. As falésias aparecem um bom trecho, seguidas de uma falha suave, onde normalmente há muitos coqueiros, grama e alguma trilha q leve a propriedade acima. Em seguida o terreno sobe suavemente, tornando-se uma nova muralha de sedimentos de falesia.
Após andar uma hora e pouco, dou uma olhada pra trás, avaliando o qto andei e vejo Cumuru lá atrás, pequenina, na ponta. Refiz isso varias vezes durante o trajeto, normalmente qdo parava pra beliscar ou descansar um pouco, ate q finalmente chego numa praia de areia curiosamente preta. Segue-se a praia de Viçosa e das Ostras. Nas falésias, varias biquinhas discretas, escapulindo no meio das paredes coloridas.
Às nove e pouco da manha, já quase no final da ponta q vira no inicio da caminhada, cmeçam os sinais de movimentação e de gente. A brisa forte do mar ameniza o calor do sol, q castiga sem eu perceber o lado esquerdo do meu corpo. Devo estar num point daqui, e de fato estou. Me encontro na Praia do Tororão, sem quiosques, muito bonita, onde o destaque é uma pequena cascata de água doce (canalizada) cai diretamente na praia, num convite tentador prum banho refrescante. No entanto, há muitos turistas aqui e passo batido, sob o olhar de alguns surfistas q acabam de chegar.
Passada Tororão, uma nova enseada enorme repleta de falésias torno a percorrer. Desta vez a praia e um pouco mais estreita, e esta repleta de recifes e pedras q são contornadas facilmente. Numa destas pedras é q descanso e como alguma coisa. Alguns poucos turistas da praia anterior ainda se aventuram por aqui, mas são poucos.
Bem mais adiante a praia fica deserta por completa, apenas eu e as gdes muralhas vermelhas. Um tempo depois, como q de repente, surge a muvuca da Praia da Paixão. Localizada numa pequena enseada entre as falésias, onde existe uma falha enorme de onde corre um pequeno e raso rio. Na praia há pequenos barraquinhas, algumas casas e palafitas a beira-mar, algo bem rústico mesmo. E nada mais. Diferentemente das demais praias, não havia vegetação nem coqueiro algum, apenas falésia em torno, onde de cima podia-se chega pela estrada. Uma visão bem interessante q se assemelha a um mini oásis.
A caminhada segue tranqüila,porem já sinto um leve cansaço. São quase dez e meia, e após andar um bom tempo sem ver ninguém, começa gradativamente a aparecer gente e mais gente. Estou na ultima seqüência de falésias da viagem. De cima de uma delas, uma pequena "lâmpada" dá o nome às areias onde me encontro, Praia do Farol.
Deixando as falésias pra trás, dou uma ultima olhada pra estas, q foram minhas companheiras naturais de toda a viagem. Olhando pra frente, uma enorme enseada q culmina numa ponta é o meu destino final, Prado. A areia torna-se fofa, porem pode-se andar bem e uma paisagem de planície de restinga toma conta terra adentro. Neste inicio há bastante gente pois há um camping rente a praia e muitos traillers estacionados. Deve ser a Praia da Lagoa Pequena, embora não veja lagoa alguma.
Andando agora bem devagar, cansado e não vendo a hora de chegar, estou novamente numa praia deserta e enorme. De olhar fixo no meu destino, o q não impede q pare pra descansar uma ou outra ocasião. Meu pescoço começa a doer. A praia parece se estreitar a medida q vou me aproximando de Prado, de onde uma enorme antena serve de referencia, e os turistas já são mais freqüentes.
Passo por uma lagoa mediana enfiada no meio da restinga onde crianças brincam. Devo estar na Praia da Lagoa Grande. Mais adiante, a restinga passa a ter sinais de moradores, casas, e os quiosques começam a aparecer. São onze e meia e é num destes quiosques q vou comemorar minha chegada em Prado, mandando ver duas Skol, no capricho! Estou cansado mas o fato de chegar ali já me recompõe e me gratifica de maneira impar! Banhistas e turistas vem e vão, lançando olhares de curiosidade em minha direção. Tb pudera, o q estaria fazendo "esse jovem andando na praia com uma mochilona enorme, camiseta branca suada e descalço?" No quiosque, pego infos do local alem de pegar mais água, obviamente.
A maré subiu consideravelmente. A praia estava estreita, mas eu não tava nem ai. Mais adiante eu já estava propriamente na praia de Prado, cheia de muvuca, megabarracas e agito, evidentemente. Aqui os coqueiros perfilados começam novamente a tomar conta da paisagem, de areia fofa e dourada. Meio dia e o sol esta sobre minha cabeça.
Prado nasceu de uma aldeia aymoré, e depois tornou-se uma vila de pescadores; agora faz da pecuária e do turismo sua atividade principal, q se reflete nas inúmeras agencias de viagens espalhadas pela pequena vila, onde os passeios de barco pra Abrolhos são a maioria. As ruas coloniais são bem ordenadas, calçadas e simples. Muitos locais dedicam-se ao artesanato tb. As casas são bem simples e há tb casarões antigos datados do séc XVII, mas q agora servem ou de moradia ou estabelecimentos comerciais.
Caminhando ao centro da vila, chama-me a atenção quantidade enorme de placas de veículos de MG. Há uma simpática igrejinha e detrás dela uma praça enorme, bem cuidada e cheia de banquinhos espalhados. Vários traillers dispersos em torno dela provem aos turistas lanches, cocadas e bebidas. Em cada esquina uma bahiana a caráter vende quitutes da terra, principalmente acarajé, q naquele calor não desce nem a pau.
Minha idéia era descansar e pernoitar ali mas, para minha surpresa, não havia camping algum! Ate avaliei alguns preços de pousada, mas estava fora de mão mesmo. Fui pra pequena rodoviária - não mto longe - e já comprei minha passagem pra Itamaraju, de onde voltaria direto pra Sampa, uma vez q de Prado já estavam esgotadas naquele dia.
Assim sendo, fico enrolando baixo aquele sol dos infernos, dando voltas pela pequena Prado, com mochila e td. Passo no mercado, compro mantimentos, como algumas bolachas, água, etc. Doou uma olhadinha rápida pelo Beco das Garrafas, no calçadão da Rui Barbosa, onde ocorre a night do agito ali, mas q agora esta todo fechado. Volto a dar uma passada na pracinha, onde alguns hippies vendem artesanias no chão e uma roda de capoeira se forma no outro extremo, sob a sombra de uma bela arvore, claro!
Ah, e dou uma ultima olhada ao mar, q esteve presente estes últimos dias, azul, verde, enfim, tons diversos pra enaltecer a fama q estas praias de fato tem. A maré estava bem cheia, e so havia uma estreita e inclinada faixa de areia, seguida de uma orla muito bonita de coqueirais sentido sul, onde estaria a Praia da Barra do Jucuruçú.
Numa rua paralela a da pracinha, e perpendicular à praia, percebo um enorme rio de águas escuras. É o Rio Jucuruçú, repleto de mangue em seu leito sinuoso. Não tinha conhecimento deste enorme rio, no qual vi vários barcos de gde calado fazerem passeios desde a foz ate rio dentro. Qdo suas águas se encontram com as do mar, dizem, forma piscinas salubras mto bonitas, mas isto não pude confirmar.
Ate dar tres e meia da tarde já havia tomado todos os sorvetes de frutas imagináveis de ambulantes com isopor: tapioca, mangaba, cajá e umbu, etc É hora do meu busão partir.
A viagem pra Itamaraju - interior da BA - não durou uma hora, apesar das inúmeras paradas no meio de estrada ruim. Chegando lá garanti minha passagem pra sampa, no bus noturno. Nova enrolada pelos arredores da pequena cidade, q não tem atrativo algum. Me limitei a permanecer na pracinha do lado da rodoviária e nada mais, comi uns pasteis, etc.
Sete e meia, já escurecendo, embarquei pro lar, q já não via a um mês.. O cansaço fez com q nem notasse o transcurso da viagem, somente nas paradas noturnas e de madrugada por Teixeira de Freitas, São Mateus(ba), Vitória (es); e as paradas restantes do dia seguinte todo, por Cpos de Goitacazes, Casimiro de Abreu, Rio de Janeiro, Resende, Aparecida e SJ dos Cpos. Cheguei no Tietê exatamente seis e meia da tarde, após quase 24hrs de viagem!
Saldo da caminhada: Pele tostada pelo sol, 4kg abaixo do peso e com dores musculares pelo corpo todo. Apesar disso, é com satisfação q posso afirmar referente ao sul bahiano, embora a urbe tenha chegado como em qq canto, as praias da Costa do Descobrimento ainda tem sim ainda o sol forte abrasante, nativos hospitaleiros e paisagens ainda intocadas. Pois e, Cabral não foi bobo nem nada ao desembarcar por estes lados

Por Jorge Soto
______ Designer por profissao
______ Montanhista e trekker por paixao
______ Mochileiro nas horas vagas
______ jorge_beer@hotmail.com


Atenção: O site Brasil Vertical adverte que as atividades de Montanhismo e Escalada são inerentemente perigosas, oferecem risco e que devem ser praticadas somente por indivíduos com conhecimento técnico e equipamento adequado e que assumam pessoalmente todas as responsabilidades.
As informações aqui oferecidas não substituem a formação por meio de cursos técnicos ou contratação de guias. Verifique sempre todo o seu equipamento, antes e depois da atividade.
Tenha boas informações sobre o local aonde pretende ir. Escalando, use sempre capacete!


(RE) DESCOBRINDO AS PRAIAS DE CABRAL — Por Jorge Soto

Clique aqui para ver mais fotos
Quando aportaram no país, no dia 22 de abril de 1500, os portugueses da esquadra de Cabral acreditavam ter encontrado o paraíso terrestre, e o escrivão da empreitada, Pero Vaz de Caminha, não poupou adjetivos à exuberância de nosso litoral ao rei Dom Manuel. Praias belíssimas, mata atlântica rica, água cristalina, nativos hospitaleiros, enfim, um paraíso mesmo. E agora? Após todo esse tempo, e com os naturais avanços da civilização e das cidades rente a orla, será q tudo continua na mesma? A idéia era caminhar pelas praias da Costa do Descobrimento, saindo de Porto Seguro e chegar até Prado - num percurso de mais de 100km - e constatar se de fato este pedaço do litoral sul bahiano realmente ainda preserva e mantém as maravilhosas paisagens (algumas intocadas) de rios, nativos e cultura, q encantaram nossos irmãos lusitanos a 500 anos atrás.