do passeio-de-mao-dada ofertado por agências. Assim, encarei a parada sozinho - munido apenas de bússola e uma info prévia - apenas pra ter 2 certezas: q a Travessia dos Lençóis, saindo de Barreirinhas e finalizando em Sto Amaro, requer apenas disposição, já q é uma caminhada de 65km percorridos em 3 dias árduos mas q não oferece maiores problemas de navegação; e constatar tb q o local realmente faz jus aos adjetivos q lhe são dirigidos.
DE
SÃO LUIZ À BARREIRINHAS
Saí de São Luiz bem cedo da rodô c/ destino novamente
p/ Barreirinhas. Novamente? Pois é, apos navegar o Delta, chegar em
Tutoia, passar por Caburé e velejar o Rio Preguiças, cheguei
em Barreirinhas já c/ gdes amizades formadas durante td aquele trajeto.
Sacumé, laços mochileiros sempre se estreitam em trechos comuns
e demorados. Ainda + se forem mulheres(rs). Foi o meu caso, pois poderia ter
imediatamente feito a travessia naquele instante, mas como a galera formada
tava tão legal, optei por curtir baladas em São Luiz e depois
retomar meu plano de travessia, afinal Barreirinhas dista apenas 250km de
São Luiz e a passagem não era tão cara. Bem q tentei
convence-las a me acompanhar na empreitada, sem sucesso! "Vc é
louco em cruzar isso a pé!", diziam, alegando q tb não
tinham condicionamento físico pra tal.
Voltando à vaca fria, me despedi da mineira Rosa e da francesa Danielle
na Pousada Alcântara - um muquifo barato e decente localizado no Cto
Histórico - e me encaminhei p/ rodoviária, onde tomei o busao
das 8:45 com destino Barreirinhas. O trajeto é um porre, sem maiores
atrativos a não ser as incontáveis planícies forradas
de carnaúbas, babaçu, buritis, mangas e alguns riachinhos. A
paisagem verdejante vai lentamente se mesclando ao de areial, q emoldura as
poucas choupanas e casinhas de palha q pipocam aqui e acolá. Algumas
paradas - em Bacaubeiras, Rosário e Morros - no trajeto me acordam
de agradável soneca apenas p/ constatar q o busao vai lotando aos poucos
e não tem limite de passageiros, c/ muitos locais em pé, cheios
de sacolas de compras. Sempre atento às placas e anúncios pois
eles são reflexo da cultura local; me chamam a atenção
a "Caninha do Engenho", o refri "Psiu", "oficina
de cabelo", "Guaraná da Amazônia", "vende-se
suquinho" e a EM Jose Sarney. Porem, nada mais hilário ao ouvir
a gritaria das mulheres do coletivo ao saber q havia uma elétrica barata
tb entre os passageiros, de carona, claro!
Por conta das inúmeras paradas, chegamos em Barreirinhas às
13:15 sob um sol e calor da peste! Barreirinhas é uma cidadezinha pequena
q não oferece dificuldade de orientação, pois td se concentra
basicamente em sua Rua/Avenida principal, onde o busao finalmente parou. Comprei
mantimentos p/ 4 dias numa padoca e me abasteci de agua. Quis tomar alguma
coisa gelada antes, mas so havia o "Guaraná Jesus" - a bebida
mais tomada no Maranhão - e mandei ver assim mesmo. O liquido é
um cor-de-rosa chocantemente cristalino e seu sabor hiperadocicado é
único, um misto de guaraná, canela e xarope. Na seqüência,
bastou andar pela rua principal rumo à balsa do Rio Preguiças,
não muito longe dali, sentido oeste, onde cheguei em menos de 10min.
RUMO
ÀS DUNAS
Na beira do manso Rio Preguiças, aguardei algum veiculo chegar p/ ir
junto na mesma balsa ate a outra margem. Nada. Mas havia um barqueiro q cruzava
gente sem veiculo como eu, e foi nele q embarquei. De graça. Já
do outro lado, comecei efetivamente a travessia pela sinuosa estradinha de
areia sentido noroeste, rumo às dunas, ainda distantes quase 12km.
Passei inicialmente pelo vilarejo de Sto Antonio - q se resumia a algumas
casas - e uma guarita do IBAMA onde as excursões de agencias devem
sempre parar. Pra minha surpresa, andarilhos solitários como eu passam
batidos, sem sequer me pedirem nada. Os guardinhas apenas acenaram e nada
mais. Não demorou e logo me vi sozinho, num caminho de areia retilíneo
sem-fim em meio a vegetação arbustiva, um misto de caatinga/restinga.
Parecia um tapete verde-claro sendo cortado por um risco branco! Como se o
sol forte já não bastasse, ainda havia a estrada de areia fofa
em si, q tava escaldante de tão quente. Mesmo andando de chinelao de
dedo, a dificuldade em caminhar ali era real. Fiquei imaginando como seria
entao andar nas dunas!? Uma dica é seguir as marcas de Toyotas deixadas
pelo caminho, bem mais firmes e compactas p/ pisar e andar.
Há apenas duas bifurcações no percurso: primeira à
direita, beirando uma cerca; e a segunda à esquerda. Em ambas me guiei
pelas mesmas marcas de veículos deixadas, afinal os únicos q
circulam e conseguem vencer o areial são as possantes Toyotas das agencias
de Barreirinhas q levam turistas (diariamente, pela manha e no começo
da tarde) às dunas e lagoas próximas da cidade. E elas não
tardaram em aparecer. Enquanto eu me matava caminhando, algumas passavam do
meu lado e os turistas - empolierados em tabuas/assentos dispostas na caçamba
da mesma, carinhosamente chamadas de "pau-de-arara" - me olhavam
perplexos. Vontade de pedir carona não faltou, mas tava resoluto a
chegar às dunas a pé, mesmo com todas as adversidades acima
mencionadas.
O tempo foi passando, o sol da tarde fritando meus miolos e tostando minha
pele, e o cansaço já pegando. No caminho, paro pra conversar
c/ 3 criancas q tavam ali, no meio do nada, pegando algo dos arbustos rente
à estrada. Rosilda, Raimunda e Larisa coletavam sacolas de muriqui,
frutinha pequenina q tem um leve gosto de maçã. Na seqüência
dei continuidade à minha camelação às dunas, ainda
não visíveis na planície de arbustos q parecia não
ter fim. Faltando quase tortuosos 5km eis q uma das Toyotas parou do meu lado
e me ofereceu carona. Não pensei duas vezes, nem tampouco de rogado
e me acomodei na caçamba, atrás dos últimos turistas,
e lá fomos nós! O resto do trajeto foi ate q emocionante, já
q o motora pisou fundo e com destreza impar no volante vencia o areial - que
+ parecia um purê de batatas - com muito sacolejo, solavancos e remelexo,
no melhor estilo off-road! Como não tava sentado comodamente tal qual
os demais passageiros e sim acomodado na lataria, tive q me segurar firme
pra não meter a cabeça no teto ou ser arremessado pra fora do
veiculo! Após cruzarmos algumas pequenas lagoas no meio do caminho
- c/ água quase na altura da caçamba - e passarmos por uma rústica
ponte, já podiamos avistar no fim da estrada, ao longe, a pontinha
de "morros" ora dourados ora claros cada vez mais proximos. Estávamos
chegando nas dunas!
Por volta das 16hrs chegamos no final daquela precária estradinha,
q coincidentemente é onde a vegetação termina e começam
efetivamente as dunas - isto é, os Grandes Lençóis -
onde estavam todos os veículos q passaram por mim, estacionados ao
pé de um enorme morro de areia dourada. Não havia necessidade
de guia nem nada, bastava seguir as pegadas na areia dos demais turistas.
Duna adentro e subindo a primeira delas, levemente inclinada, o horizonte
se abre por completo p/ contemplar uma paisagem surreal q me acompanharia
nos dias seguintes: um "mar-de-morros-ondulados" feitos da mais
fina areia, de colorações q iam desde o branco total aos mais
diversos tons de ouro imagináveis! Pra completar esse panorama de puro
deslumbramento, alguns espaços entre as dunas estavam preenchidos com
lagoas cujas tonalidades variavam do verde-esmeralda ao azul-turqueza, contrastando
exoticamente da claridade daquele areial-sem-fim q se estendia ate onde a
vista alcançava! Olha, já vi dunas em Floripa, Itaúnas,
Mangue Seco e Jeri, mas aquilo lá diante de mim superava qq termo superlativo
q ate entao pudesse conceber. Simplesmente impressionante! Foi aí até
q bateu um medão real e concreto da empreitada q estava resoluto a
fazer: "Não seria muita areia - literalmente - pro meu caminhãozinho
cruzar isso aí, sozinho?", pensei. Temores à parte, esqueci
o cansaço, o calor e fiquei ali um tempão apreciando, hipnotizado,
aquela paisagem lunar , p/ continuar a caminhar pela mesma, seguindo as pegadas
ou os vários turistas q ali se encontravam.
As excursões de Barreirinhas vão sempre a um mesmo local: p/
Lagoa Azul e à Lagoa do Peixe, próximas uma da outra. Como era
inicio de "inverno maranhense" (janeiro é estação
de chuvas por lá) as lagoas estavam começando a encher. Contudo,
a famosa Lagoa Azul estava totalmente seca, razão pela qual bastou
descer pela areia fofa de onde estava e caminhar pelo enorme espaço
deixado pela lagoa seca, já em chão bem mais firme e compacto,
onde alguns tocos de madeira e restos de troncos dispersos são prova
de q aquilo já foi um exuberante mangue. Lagoas secas sempre tem uma
vegetação rasteira de gramíneas/capim ralo q cresce c/
o inicio da pluviosidade, mas o q me chamou a atenção foram
pequenas poçinhas dágua c/ girinos(!?), cujos ovos são
enterrados na época seca e eclodem ao menor sinal de agua.
Caminhando ate o fim da enorme lagoa seca, logo há de se subir a duna
seguinte p/ desce-la em seguida, e andar novamente por outra pequena lagoa
seca, sempre seguindo as pegadas deixadas (ou seguir sentido noroeste), bem
obvias e evidentes. Olhando pra noroeste/norte ate sudeste a visão
das dunas, de contornos suaves e abaulados, salpicadas de pequenas lagoas
represadas; já pro sul/sudoeste ainda avistamos a faixa verdejante
de restinga q limita so Grandes Lençóis.
NA LAGOA
DO PEIXE
Nem 10 min de pernada nesse sobe/desce e logo alcanço a Lagoa do Peixe,
uma enorme lagoa perene aos pés de majestosas dunas, onde parece q
todos os turistas estão concentrados, refrescando-se ou nos arredores.
O local é muito bonito, mas a farofada geral não impediu q me
viesse à mente a muvuca do "Piscinao de Ramos", no RJ. Claro
q a comparação é injusta, pois o local era paradisíaco,
e limpíssimo. Joguei a mochila num canto e fui me refrescar nas águas
da lagoa, q recebe este nome pq diziam ter peixes, mas não vi nada
a não ser girinos. A profundidade me impressionou, pois a água
ia um pouco alem da cintura. Destaque p/ belas flores aquaticas e alguma vegetação
q finca suas raízes no fundo e permanecem balançando à
tona, ao sabor do vento.
Com girinos ou não, a água - ao menos pra mim - é + q
potável e abasteci minhas garrafas. O resto da tarde fiquei ali, curtindo
aquele local, ora descansando, conhecendo os arredores, conversando c/ gringos
ou coletando infos c/ os guias, q permanecem com os grupos p/ apreciar o por-do-sol,
q diziam ser fantastico. No entanto, por ser verão o céu se
tingiu de nuvens antes do crepúsculo, obrigando as excursões
a retornarem sem apreciar o famoso espetáculo. Assim, antes das 19hrs
e enquanto todos iam embora, retomei a pernada apenas p/ buscar um bom local
p/ acampar.
Em pouco tempo me vi sozinho. Eu e o vazio. Caminhei pelo alto das dunas q
ladeavam a Lagoa do Peixe e, mais adiante, passei a bordejar outras lagoas
menores, ladeadas ainda por alguma restinga. Sempre em suave sobe/desce, sentido
noroeste, terminei decidindo pernoitar do lado da ultima gde lagoa q encontrei,
aos pés de uma duna mediana mas não muito proximo dela, porem
protegido do vento. Saber montar a barraca voltada de costas p/ duna é
fundamental, pois o vento rasteiro sempre carrega muita areia, e se deixar
a entrada (tela) voltada pra duna em pouco tempo o interior se encherá
de areia. Eu q o diga.
Devidamente instalado, preparei minha janta c/ um sucão e adormeci
antes mesmo de escurecer totalmente, pois o dia sgte seria bem puxado. A noite
fora tranquila e foi ai q lamentei trazer o saco de dormir, totalmente dispensável!
Estava quente, porem agradável, bastava apenas o isolante. Impressionates
foram as esporadicas ráfagas de vento: eventualmente sentia o dedilhar/tilintar
de montes de areia sendo arremessados nas laterais da barraca pelo vento!
A impressão q dava era estar numa tempestade de areia, com a armação
da barraca remexendo bruscamente a cada forte ventania! Certamente se estivesse
de frente p/ duna teria acordado coberto de areia!
PERNADA
DE MADRUGADA
Pra não pegar o forte sol da tarde e render na caminhada, resolvi compensar
pernando bem antes de amanhecer. Acordei antes das 4 da madru, tomei café
e levantei acampamento, com tempo bastante ameno e alguma brisa vinda do norte.
O destaque, porém, nao foi o céu limpo e estrelado, e sim a
maravilhosa lua cheia q iluminava a paisagem diante de mim; as outrora ondulações
de areia douradas agora eram espetacularmente prateadas, de perder a vista!!!
Com perfeita visibilidade e visu + q inspirador, comecei a andar, deixando
lentamente as lagoas e a faixa de restinga la pra atrás. O belo brilho
da lua refletido em laminas de agua dissiparam meu receio de não achar
o precioso liquido naquele dia, pois carregava quase 4L de água caso
no trajeto td estivesse seco. Joguei fora, permanecendo apenas c/ a garrafa
básica de 1,5L q levo permanentemente.
Com os temores se dissipando tal qual pegadas na areia e cada vez + confiante,
continuo minha jornada noturna duna adentro, sob belo luar maranhense. Basta
tb 1 hora de caminhada no deserto p/ vc pegar o "jeito" menos desgastante
e + produtivo de avançar naquele local, q tem sempre a mesma paisagem,
não dispõe de trilha e nem sequer referencia visual. Como meu
destino naquele dia eram os "oásis" de Baixa Grande ou Queimada
dos Britos - distantes quase 30km - teoricamente bastava seguir sentido norte/noroeste,
descontada a declinação magnética básica, claro!
Qq perdido eu certamente chegaria no mar, q é de onde sempre sopra
o vento, e isto pode ser constatado atraves do formato das dunas: a "barriga"
levemente inclinada sempre será o norte/nordeste! Assim sendo, bastava
subir o alto de uma duna, checar a bússola, e traçar uma linha
imaginaria ate norte/noroeste q seria meu destino e pra la seguir. E assim
sucessivamente. Mas em função dos obstaculos (lagoas e dunas
altas) logicamente q nunca se anda em linha reta: qdo cheias e fundas, as
lagoas devem ser contornadas pelo lado menos íngreme da duna; qdo secas
as atravessava direto. As dunas, por sua vez, sao firmes, compactas e boas
pra caminhar na barriga e no alto, ou seja, do lado q sopra o vento; já
do lado íngreme, oposto ao vento, é fofa demais e quase impossível
de encarar subir de frente, mas pra descer é uma delicia pois se afunda
o pé inteiro, quase ate a canela! Ah, embora o ideal fosse andar descalço
ou de papete, eu particularmente caminhei perfeitamente de bota mesmo, afinal
terreno firme não faltava e assim se avança bem + rápido,
sem receio de pisar algum objeto estranho, principalmente nas lagoas secas,
cheias de farpas e toquinhos de madeira. O dose era ter de remover toda vez
a areia qdo se desce pela parte íngreme da duna, afim de atravessar
direto as lagoas secas sem ter de contorna-la. Assimiladas estas "manhas",
foi so colocar pé-na-areia e ir checando a bússola a cada 5/10min,
sem desviar muito de minha reta imaginaria.
Caminhar de madrugada é fantástico não so pelo rendimento
maior, mas tb pelo visual do manto negro do firmamento repleto de estrelas,
algumas delas ofuscadas pela beleza da lua cheia reinante. Mesmo assim, 1
hora de pernada bastou p/ me deixar completamente encharcado de suor. E assim
prossigo naquele mesmo ritmo inabalável, ditado apenas pelo terreno
q se apresenta aparentemente o mesmo, mas q está em constante mutação.
Afinal, as dunas nunca são as mesmas de um dia pra outro; avançam,
somem umas, aparecem outras, retrocedem e, conseqüentemente, ditam o
formato das lagoas, algumas desaparecem dando origem a outras, ou simplesmente
acabam sendo interligadas, umas c/ outras. Carta topográfica aqui não
faz sentido.
AMANHECENDO
Quase 2hrs depois e no alto de uma duna, faço uma pausa p/ descansar,
beliscar alguma coisa e apreciar o sol nascer atrás dos morros alvos
à leste. Show de bola! A escuridão lentamente se dissipando,
dando lugar a um céu tingindo-se gradativamente de tons escarlates
e, conseqüentemente, iluminando àquela paisagem em tons cada vez
mais vivos q são reforçados no reflexo das lagoas presentes!
Mas o tempo de contemplação não deve se estender, afinal,
já já o sol aperta, portanto, pé-na-areia!
Continuando inipterruptamente nesse sobe-desce-duna-contorna-atravessa-lagoa,
e agora com iluminação suficiente é possível observar
particularidades na paisagem desapercebidas de madrugada. A medida q minha
enorme sombra vai se encolhendo, posso observar a textura ondulada das dunas
- quase q totalmente simétrica e homogênea - lentamente sendo
modificada pelo vento rasteiro, q carrega finos grãos de quartzito
constantemente. As vezes o vento sopra + forte em rajadas, fazendo com q a
areia "pinique" as canelas e sejam um incomoda, mas a grosso modo
o vento se limita a brisas suaves e bem-vindas. Outro detalhe é o silencio
generalizado, perturbador até, q só é quebrado pela minha
respiração ofegante ou qdo eu amaldiçoava a areia por
ter entrado bota adentro..
A luminosidade incipiente tb torna as dunas claras, tendendo ao branco cada
vez mais intenso. E contrastando com a superfície é possível
ver sinais de vida - não necessariamente selvagem - naquele local aparentemente
inóspito. Pegadas de aves ou cavalos, e diminutos dejetos de bode são
quase uma constante! E de repente, eis q um rebanho errante deles surge na
vastidão de areia, nos remetendo ate a uma cena bíblica qq.
Soltos, eles passam o dia comendo o capim das lagoas secas. As lagoas secas,
por sinal, são o maior reduto de vida por incrível q pareça.
Era la q sempre ouvia alguma ave reclamar diante minha aproximação,
principalente a caburé, uma corujinha q faz sua toca no chão.
Haviam tb carcarás, maçaricos e quero-queros. E piningas, uma
espécie de tartaruguinha, da qual vi apenas o casco rente a algumas
outrora lagoas.
Às 9:30, mais um dos vários pit-stops q me reservei por conta
do cansaço e do calor, desta vez ao lado de uma belíssima lagoa
verde-azulada ao pé de uma enorme e alva duna. A coloração
das lagoas - cristalina, azul ou verde - depende exclusivamente do tipo de
vegetacao e lodo depositada no fundo. Haviam ate pequenos peixinhos q fugiram
qdo mergulhei nela pra me refrescar. Um tchibum + q merecido.
SEU
OSMAR, CAÇADOR DE PORCOS PERDIDOS
Prosseguindo a pernada naquele ritmo imutável, lentamente o cansaço
vai se fazendo sentir. Vontade de parar a cada 10 min não faltam. O
calor é realmente causticante e a areia vai tornando-se cada vez mais
abrasiva, mas tenho um objetivo naquele dia. Nessas horas procuro esquecer
o cansaço ocupando a mente com outras coisas ou simplesmnete cantando
em voz alta, afinal, ninguém ta ali p/ reclamar do desafinado q sou.
A constante "mesmice" da paisagem é perturbadoramente bela,
porem a presença constante de bodes aqui e acolá torna a pernada
menos monótona: dou nome aos bodes q cruzo, particularmente àqueles
q seguem na mesma direção minha, apenas p/ fins de distração.
Lá pelas 11hrs, no alto de uma duna e conferindo pela centéssima
vez a bússola, ao tracejar meu rumo imaginário naquele horizonte
ondulado eis q avisto outro andarilho solitario numa lagoa seca, não
muito longe, à leste!!! Não titubiei de ir em seu encontro,
pois era minha oportunidade de saber se estava indo na direção
certa!! Desviei do meu curso e desci apressadamente - e torpe tb - a duna,
atravessei duas lagoas secas e contornei outra cheia q havia no caminho, ate
alcançar o outro extremo da lagoa seca na qual vi o andarilho, q tb
estava acompanhado de um cão esquálido. Gritei p/ ele p/ q me
esperasse e fui ao seu encontro. Era seu Osmar, um tiozinho desdentado de
Buriti Grosso - pequena vila quase 20km ao sul - trajado bem simples, roupas
em frangalhos, bolsa no ombro com água. Devia ter 60 anos mas aparentava
+ devido à vida dura. Estava ali desde cedo c/ + 3 colegas espalhados
pelo deserto tentando buscar/juntar seus bodes e porcos(!?). Me disse q td
mundo solta seus rebanhos (incluindo vacas, jegues e bois) no deserto pra
pastarem livremente nas lagoas secas, pq não tem condições
de mante-los presos e seus locais de origem. Depois tem a árdua tarefa
de ir busca-los, pq senão eles ficam por la mesmo e, diferentemente
de cães e gatos, eles não retornam p/ casa. Por incrível
q pareça, eles sabem reconhecer qdo um bode pertence a ele e não
à outro rebanho, só não me pergunte como. Deve ser a
mesma argúcia com q enxergava diferenças entre as dunas, q pra
mim são simplesmente iguais. Coisas de gente do deserto. "Mas
de vez em qdo tem um caboclo ruim q pega um bode q não é dele
e come!", emenda. P/ minha felicidade estou no sentido correto, e a direção
q devo prosseguir apontada por ele confere com a marcação minha
reta imaginaria!! Uffaaa! Qto à kilometragem q falta ele responde,
convicto: "Ta pertinho, apenas 3hrs ate lá!" Esqueci q aqui
as distancias não se medem em kms e sim por tempo.. Me despedi de seu
Osmar e continuei a jornada.
A tempo passa e a pernada torna-se mais fácil: as dunas são
cada vez + baixas, os espaços são cada vez + amplos e as lagoas
secas vão se interligando, formando uma espécie de "avenida"
em meio àquela vastidão ondulada. E o cansaço pegando..A
luminosidade das dunas é intenso, e como não uso óculos
escuros, me resigno a caminhar com os olhos encolhidos, franzindo a testa.
Como a coloração da areia depende da incidência dos raios,
a paisagem é totalmente branca; já ao entardecer as dunas tornam-se
douradas. Felizmente, por volta do meio-dia e sol a pino, já consigo
avistar a noroeste pontinhos escuros em meio ao areial, q são nada
mais o inicio da faixa de restinga arbustiva de Baixa Grande!! Graças
a Deus! Embora tenha contato visual, as distancias no deserto enganam e chegar
ate la leva ainda um bom tempo! Desgastado pelo sol, caminhando trópegamente
c/ areia acumulada nas botas molhadas, dor nas costas e a parte superior das
coxa c/ incomodas assaduras fazem com q pare por um bom tempo antes de chegar
em meu destino. À beira de mais uma lagoa, tomo mais um refrescante
banho e ter um tempo de relax. Uma leve brisa surge p/ amenizar o calor enquanto
belisco algo e beberico um suco.
NO "OASIS"
DE BAIXA GRANDE
Às 13:30, após meia hora de pernada e um breve banho (não
tem jeito, o calor pede!), alcanço a beirada do "oásis"
de Baixa Gde. Subo uma duna mediana apenas p/ ter uma panorâmica desta
"ilha verde" em meio a paisagem monocromática do deserto:
uma larga faixa de restinga verdejante contrastando c/ a areia, arbustos medianos
de galhos retorcidos, salpicada de pequenas dunas e lagoas de água
cristalina, um verdadeiro "oásis"!! Mas pra q lado seguir,
sendo q não avistava nenhuma casa ou sinal de civilização?
Continuei atravessando o oásis sentido noroeste ate q topei com uma
precária estrada de areia q seguia p/ norte, acompanhando td a extensão
de vegetação. Se tem estrada deve dar em algum vilarejo, não?
Continuei não mais q 10min pelo caminho ate q cheguei na "vila",
q se resumia a umas 5 casas de taipa onde apenas 4 familias vivem ao pé
de frondosos coqueiros, uma boa referencia p/ achar o local. Apesar de simples,
eram bem organizadas, com uma cerca bem rustica de galhos de cajueiros e mirins,
roçado, pomar e ate um jardim! A presença abundante de arvores
baixas funciona como cerca viva, impedindo as casas serem engolidas pelas
dunas. Mal me aproximei p/ pedir informações e uma simpática
senhora, Dna Maria, me convida insistentemente p/ entrar tomar água
e descansar. Não recuso, lógico! O interior da choupana, com
teto forrado com palhas de buriti, não poderia ser mais simples. Forno
a lenha estilo casa-de-farinha, redes espalhadas por todo lado servindo de
sofá, e ausência de portas ou janelas, permitindo patos, galinhas,
cabritos, gatos e cachorros terem transito livre no interior. Sento na única
cadeira disponível apenas p/ me sentir no programa "Roda Viva":
o pessoal dos oásis não deve ter visitas regulares q andarilhos
como eu despertam-lhe a atencao, tanto é q aos poucos foi surgindo
mais e mais gente q se juntava na entrada da casa, principalmente jovens e
criancas!! Dna Maria dizia q ela cuidava da família enquanto os homens
da casa iam pescar no litoral, quase hora e meia dali, numa espécie
de nomadismo sazonal. A pesca é favorável apenas no "inverno";
já na época de secas dedicam-se somente a criação
de rebanhos e vivem do q plantam, produtos como macaxeira (uma mandioca +
macia),milho, arroz, feijão, etc. Luz elétrica, nem pensar.
Lamparinas estão espalhadas por todo canto. E água retiram das
inúmeras lagoas ou de simples bombas manuais. Perguntei da "estrada"
pela qual viera e Dna Maria diz q ela raramente é usada em janeiro.
Na época de secas, o prefeito de Sto Amaro vai ate ali de Toyota deixar
produtos encomendados p/ eles passarem o "inverno", pois a estrada
tornava-se intransitável na época de chuvas. Ou seja, estavam
literalmente isolados do resto do mundo, o q explica em gde parte a curiosidade
e extrema hospitalidade c/ estranhos como eu. "E qdo alguém adoece?",
perguntei. Pra isso ela tinha toda sorte de receitas q beiravam o curandeirismo
natureba, se valendo do q estivesse à mão: sebo de bode, oleo
de mamoma, caldo de mucura, etc.. Pros males do outro mundo tem o "sino
de salomão", uma figura geométrica desenhada no piso, logo
na entrada da casa. No entanto, ao mencionar o prefeito, Dna Maria não
perdoa: "Prometeu muita coisa, mas melhorar q é bom, nada.."
Pois é, tem coisa q não muda seja onde for.
Depois de tão agradável prosa e dois goles de café irrecusáveis,
sinto q já estou descansado o bastante p/ continuar a pernada p/ proximo
oásis, distante apenas 5km dali, Queimada dos Brito. Dna Maria ainda
insiste p/ q eu pernoitasse ali, e q havia espaço de sobra entre as
redes da sala (detalhe: 2 bebês dividiam a mesma rede). Agradecido,
recuso sua tentadora oferta, mas tava resoluto a avançar mais naquele
dia deveras cansativo.
MORRENDO
NA PRAIA
Seguindo as instruções de um dos filhos de Dna Maria, as 15:30,
cruzo um pequeno riachinho, contorno uma duna e logo estou deixando Baixa
Grande. Dali mesmo já consigo avistar meu destino, a noroeste: uns
"matinhos" despontando no horizonte. E dou prosseguimento à
pernada atravessando varias lagoas secas e cortando caminho subindo/descendo
dunas medianas. Apesar do trajeto ser bem mais amplo e fácil q o feito
pela manha, o cansaço acumulado se faz sentir e os meros 5kms parecem
não terminar nunca! Na metade do trajeto eu já parecia andar
mais pro inércia, apenas norteado pela necessidade de chegar nos "matinhos",
cada vez + próximos. Neste trecho passo por uma lagoa seca bem bonita,
onde arvores secas retorcidas inteiras mais parecem esculturas em meio ao
deserto, remanescentes do q já foi um mangue q foi soterrado! Contudo,
a esta altura do campeonato pouco tempo dispenso p/ contemplações.
Quero chegar logo em meu destino e la comemorar o final de dia, com cerveja,
se possível!
Chegando, enfim, proximo dos matinhos eis mais um agradavel obstáculo,
o manso e largo Rio Negro, curso dagua q atravessa perpendicularmente todos
os Lençóis ate desaguar no mar. Jogo a mochila no chão
p/ testar a profundidade (e ter um banho, claro!) e nado ate o outro lado,
com água ate o pescoço, felizmente! Atravesso-o novamente -
desta vez equilibrando a mochila na cabeça - apenas tendo cuidado em
não pisar no lodo escorregadio ou galhos pontiagudos, e finalmente
alcanço a outra margem, ao pé de uma enorme duna. Como se a
camelação nao tivesse fim, ainda tenho q subir uma duna íngreme
p/ alcançar definitivamente meu destino. Não é bem subir
e sim escala-la! Não havia outra maneira de avançar, ou se houvesse
não vi. Escalar a desgraçada de frente é patético
e exaustivo à beça: dá um passo e retrocede dois! O jeito
foi subi-la em diagonal, mas mesmo assim alcancei o alto de seus 20m quase
me arrastando!
No alto da duna, minha decepção. Kd a "vila" de Queimada
dos Britos? Em Baixa Gde me informaram q era bem maior, mas de onde estava
só avistava a linda paisagem do "oásis", dunas, lagoas
e muita, muita vegetação arbustiva! Uma versão maior
do oásis anterior! Sinal da vila, nenhum. Certamente teria q procura-la
mas estava no limiar de minhas forças, extremamente cansado, sem condições
de buscar a vila alguma. Caminhava desde as 4 da madru e se desse mais um
paso era bem provável de aparecer uma tela azul na minha frente acusando
minhas pernas de executarem uma operação ilegal e provavelmente
travariam.. Dane-se a vila e a cerveja!
Assim sendo, 17hrs decidi acampar aos pés daquela enorme duna, porem
do outro lado e ao pé de uma bela lagoa. O céu naquela altura
se tingiu de nuvens escuras carregadas e novamente não vi por-do-sol
nenhum. Duro foi armar a barraca pq começou a ventar consideravelmente,
e duro tb foi remover a areia q entrava a td hora dentro dela. Enquanto preparava
meu tradicional miojao, ouço vozes próximas proveniente de dois
garotos de bike indo em direção ao rio. Eram de Queimada dos
Britos - q distava dali uns 15min, segundo eles - e tavam indo pescar na praia.
O som de trovões ao longe faz com q use - pela primeira e única
vez na viagem - o sobreteto p/ chuva da barraca. Não tive muito trabalho
p/ cair no sono - tambem pudera - e já sonhava com os anjinhos antes
mesmo de escurecer totalmente, antes das 19hrs.
AGORA SIM, NO OASIS QUEIMADA DOS BRITOS
De madrugada começou a chover inipterruptamente. Felizmente o sobreteto
tava bem firme pq chovia com vento forte. Contudo, foi inevitável q
começasse a pingar aqui ou acolá no interior da barraca. Porem,
meu cansaço e sono eram indiferentes a este detalhe, e so percebi isso
ao acordar umido na manha seguinte, as 6:00hr. As paredes estavam totalmente
úmidas e havia pequeninas poças com areia dentro. Chovia la
fora e fiquei aguardando parar p/ poder começar a pernar naquele dia,
enquanto aproveitei p/ tomar café e dar uma limpada no interior.
Um tempão depois e, ao ver q a chuva parecia não dar trégua,
resolvi levantar acampamento à contragosto, já q iria carregar
o dobro do peso naquele dia: eu q me preocupava em comer td q levava a fim
de aliviar peso, levaria desta vez a barraca molhada e muita areia a tiracolo.
Ao desmontar minha tenda, fiquei surpreso com a lagoa do meu lado, q aumentara
consideravelmente de volume quase alcançando minha barraca! O mesmo
pras lagoas nos arredores! Incrível como a chuva e os ventos transformam
subitamente a paisagem aqui!
Com a chuva fustigando meu rosto, percorro paralelamente as dunas rente ao
rio, contornando as matacoes e dunas mais altas, seguindo o sentido indicado
pelos jovens, o dia anterior. Mas ao subir uma duna p/ ter uma panorâmica,
apenas avisto um maravilhoso e enorme tapete verdejante de arbustos/arvores
baixas salpicado de lindas lagoas azuis. Nem sinal da vila, portanto teria
q me enfiar ali e procurar. Mas q direção? Pra complicar, minha
bússola tava molhada e não funcionava. O jeito foi seguir intuitivamente
pelas dunas enormes paralelas ao oásis, e depois de subir/descer algumas
consegui entrar no mesmo por uma brecha entre no emaranhado de arbustos, sem
cair em alguma lagoa funda.
Ali, consegui avistar muitas trilhas se entrecruzando sentido oásis
adentro. Totalmente perdido, decidi seguir as trilhas q seguiam pro oeste,
pois algumas levavam apenas à lagoas maiores. O bom daqui é
q ta repleto de cajueiros e miris e o chão forrado dos mesmos complementou
meu mirrado café da manha. A esta altura a chuva cessara, mas isso
não impediu q tivesse q atravessar laminas de água ate as canelas
e muitos campos encharcados. Cada vez + no interior do oásis, noto
q algumas trilhas agora tornam-se mais largas e me guio por elas. Ironicamente,
é mais difícil se orientar dentro dos oásis q no deserto.
Subo uma duna maior p/ ter uma geral dali, e finalmente avisto ao longe um
telhado vermelho, do lado de uns coqueiros, e é pra la q me dirijo
em linha reta, contornando as matas e bordejando as lagoas do trajeto.
Ao alcançar a casa - as 8hrs e com a chuva retornando - um senhor me
convida sem ceremonia p/ entrar. Tal qual Dna Maria, Seu Jose Domingues é
extremamente cordial e hospitaleiro c/ forasteiros. Ele é pai dos 2
jovens q vira o dia anterior e me oferece café e bolachas. Em seguida,
me brinda c/ uma tigela c/ camarões frescos enquanto me conta da vida
dali, não muito diferente de Baixa Grande, c/ a diferença q
em Queimada dos Brito mora + gente nas 25 casas espalhadas pelo oásis,
e q ele é o único q tem eletricidade esporadicamente, vinda
de um precário gerador. Tb tem suas queixas c/ o prefeito: "Prometeu
trazer eletricidade, mas agora vem com a desculpa de q os postes podem ser
engolidos pelas dunas!" O isolamento e as agruras do deserto tb são
responsáveis pela união e pela solidariedade entre todos os
moradores dali, e onde resistem como uma gde família. E de fato o são,
uma vez q todos tem algum grau de parentesco. Contou q certa vez alguém
adoeceu gravemente, colocaram a pessoa numa rede pendurada num pau, e em comitiva
de parentes atravessaram o deserto ate Sto Amaro (6hrs dali), se reverzando
qdo alguém cansava!! Seu Domingos foi muito gentil comigo, tanto é
q deixei c/ ele mantimentos q tinha de sobra. "O que é isto? Como
é q come?", perguntou qdo entreguei um pacote de miojo, sinal
de q seu único horizonte eram as areias. Dele e de muita gente, pois
haviam jovens q nunca saíram dali. O papo tava ótimo, Seu Domingues
me deu ate um gole de "xoxota": um mix de cachaça, suco de
morango, leite de coco, leite condensado, gengibre e açúcar.
E eu q achava q o Guaraná Jesus era a bebida mais doce q teria ali.
Antes de me entusiasmar e beber +, me despedi dele logo qdo q a chuva novamente
passou.
SEM
BUSSOLA E AGORA?
Seguindo as instruções dos filhos de Seu Domingues, cortei caminho
pelas "morrarias" ou "serras" - como eles chamam as dunas
- paralelas ao oásis p/ novamente entrar e estar em trilhas no meio
do oásis. Atravessando arbustos e arvores baixas molhadas, alcanço
a Queimada dos Lira e, logo a seguir, a Queimada dos Paulo, onde haviam mais
casinhas simples c/ gente nos roçados. Todo mundo, sem exceção,
pára p/ me ver. Coleto infos e prossigo, bem na hora em q a chuva torna
a cair. Ao chegar nos limites do oásis e o deserto, procuro as marcas
de trilha q deveria seguir (pois minha bússola ta pifada) e nada. Claro,
a chuva havia apagado! E agora? Sem trilha e bússola?
Matutando em como sairia dali, volto pras casas de Queimada dos Paulo, onde
espero a chuva passar. Pensei em ate contratar um dos locais p/ me acompanhar
o resto da trip mas ai seria morrrer na praia. Esperança de carona
era zero, pois realmente as chuvas detonavam as já precárias
estradinhas ate pra possantes Toyota, e nem havia uma sequer ali, de acordo
com os locais. Pra minha felicidade, um dos locais tinha q ir buscar uns bodes
na direção de Sto Amaro, meu destino. Beleza, vou com ele e
dali continuo sozinho o resto! E assim fizemos qdo a chuva parou, la pelas
11hrs!
A PERNADA
FINAL
Eu e Neto passamos pelas ultimas casas de Queimada - na única estradinha
de areia q tem - ate alcançar os limites do oásis com o deserto.
Ate la tivemos q atravessar c/ água ate os joelhos muitas lagoas q
simplesmente transbordaram no caminho. Neto colhia frutos nos arbustos como
o jabiru e o mirim p/ eu provar, e olha q eram ate gostosos. Chato era um
mosquitinho parecido com borrachudo, o marium.
Finalmente no deserto, começamos o já habitual sobe/desce/atravessa/contorna/lagoa.
Por estar nublado naquele horario, a pernada estava tolerável e ate
agradável. O q me incomodava em Neto foi somente a enorme peixeira
q levava junto. "Pra que?", pensei, e imaginei q o cara ia me matar,
roubar e me largar no meio do nada. Ele disse q podia ter "caboclo ruim"
no deserto (!?) Ainda assim, não tirei os olhos daquela peixeira e
deixei ele ir sempre na minha frente. Receios de gente de cidade grande.
Sempre sentido oeste/sudoeste e em ritmo firme e forte, paramos apenas uma
vez p/ descansar e beliscar algo. O destaque deste trecho são as varias
sondas desativadas da Petrobrás espalhadas pelas dunas, e uma pequena
cobra q Neto quase pisou ao atravesarmos o pasto numa lagoa seca. De resto,
a beleza das dunas e suas laminas de água reluzindo naquela tarde de
nebulosidade clara valiam o preço daquela dura pernada. Por conta das
chuvas, as lagoas aqui eram maiores e espaçadas, e as dunas eram mais
fáceis de caminhar. Ainda bem.
Às 13:30 nos separamos; Neto seguiu p/ sul atrás de uns bodes
ao longe mas não sem antes apontar a direção q eu devia
seguir, sem desviar pra nenhum lado. E foi o q fiz, atravessando o deserto
p/ oeste, já meio cansado e sentindo as assaduras novamente. Felizmente,
minha bússola havia secado e voltava a operar normalmente. Estava no
sentido correto. Meia hora depois, do alto de uma duna, meu corpo doído
se encheu de alegria ao conseguir avistar no horizonte os matinhos q limitam
o povoado de Santo Amaro. Agora havia apenas q chegar lá, o q me tomou
quase 2 interminaveis horas! Ai resolvi seguir em linha reta mesmo, sem desviar
de lagoa alguma. Subia e descia duna, e cortava pelas lagoas, secas ou não.
As q estavam cheias felizmente naquele trecho eram bem rasinhas, mas como
meu pé já tava detonado pelo atrito da areia c/ a bota molhada,
a água ate veio em boa hora.
Cada vez + proximo dos matos q me guiavam, as lagoas q se interpunham no trajeto
eram maiores e largas. Como não as contornava e sim as atravessava
direto, apenas tomava a precaucao de não serem fundas avaliando a distancia
ate a outra margem. Felizmente a mais funda chegou apenas quase ate a cintura.
Foi ali, já quase no areial perto dos matos, q avistei sinais de trilhas
deixadas por veículos e de bicicletas!! Ótimo, bastava segui-los.
Varei a ultima lagoa, sob o protesto de varios carcarás, e coloquei
pé na areia firme do q teoricamente era o limite de Santo Amaro. Arvores
baixas, palmeiras, dunas, lagoas, etc.. o local é bonito, mas esta
totalmente repleto de dejetos de bode forrando a areia.
Adentrando em terreno + amplo e plano, com mato aqui e acolá - sempre
seguindo as marcas de veículos - contorno lagoas e algumas dunas forradas
de arbustos ate chegar numa extensa planície de pasto encharcado. A
trilha continua sentido oeste, passando a bordejar por um bom tempo uma enorme
lagoa q se apresenta à direita, a Lagoa de Sto Amaro. Meia hora depois,
e ladeado à minha esquerda por um extenso carnaubal, avisto pescadores
retornando de mais um dia duro de batente, com os quais apenas tenho a confirmação
q to no sentido correto e q não falta muito p/ chegar à vila.
Extremamente exausto e não vendo a hora de tirar o peso das costas,
o silencio da pernada é quebrado pelo alto som de forró aumentando
atrás de mim. Uma Toyota repleta de pescadores locais vem pelo mesmo
caminho q percorro e me oferece carona. Não recuso, claro, e os 5km
restantes são feitos num divertido sacolejo, entre isopores cheios
de gelo, tainha e pescada frescas, e embalados ao som do "Garoto Safado
& Lagosta Bronzeada". Cheguei ao meu destino exatas 16:30.
SANTO
AMARO DO MARANHÃO
Santo Amaro do Maranhão é uma vila cercada de palmeiras. Simples,
dispõe de alguma infra, porem é bem menor q Barreirinhas. Ficou
famosa recentemente pelo filme "A Casa de Areia" (c/ Fernanda Montenegro),
q trouxe eletricidade ate ali. Mas mesmo assim mantem um charme e rusticidade;
as ruas de areia do entorno contrastam com o pavimento existente apenas na
"rua" principal, cercada de igrejinha, vendinhas, etc. O motorista
da Toyota conhecia uma pousadinha barata e me deixou bem na frente. Não
era só pousada, era "Restaurante & Hospedaria Fé em
Deus", onde pechinchei meu pernoite por R$15. Devidamente instalado,
tomei um banho demorado, tratei das malditas assaduras, comi uma suculenta
galinha caipira e comemorei a empreitada com 3 cervejas, p/ somente depois
atentar p/ preço caríssimo delas!
Ao anoitecer, dei uma voltinha pela vila afim de conseguir transporte p/ São
Luiz. Lógico q ali não tem rodoviária, mas tem uma pequena
agencia da Cisne Branco, empresa de bus do Maranhão, q ia ate a capital
em 2 horarios: pela manha e tarde. Depois fiquei zanzando pela pacata vila,
q se conehce em menos de 20min. Destaque p/ sem-numero de moscas e sapos q
circulam livremente pelas ruas, alem de um curioso "trator-bus",
meio de trasnporte coletivo q consiste num trator c/ reboque c/ assentos.
Engraçado era ver os jovens motoristas fazendo pose - qdo estavam sem
passageiros - tal qual a playboyzada na cidade gde, só q com um baita
tratorzao. Hilário!
O cansaço e o sono me pegaram antes das 20hrs. No quarto, não
bastasse o calor sufocante ainda haviam os pernilongos, q pela qtdade industrial
q eles estavam presentes no recinto mais parecia praga egípcia. Felizmente,
o "hotel" dispunha de ventilador e mosqueteiro, senão uma
boa noite de sono seria impossível. Pior q td isso, era um forrozao
rolando em alto som quase do lado.
CAMELANDO
NA VOLTA
A Toyota me pegou na pousada por volta das 5:30 da matina já de péssimo
humor. Queria tomar banho antes de viajar mas as torneiras estavam sequinhas,
e falei um monte p/ cara da pousada. Tentei me animar com a perspectiva de
ainda achar bus p/ SP ainda naquele dia e assim foi. O "pau-de-arara"
estava vazio na caçamba e foi la q sentei, pois a cabine tava lotada.
Assim, deixamos Sto Amaro por uma sinuosa e precária estrada de areia,
q atravessava ora matas fechadas de restinga alta ora pequenas lagoas com
água acima das rodas!! Aventura mesmo! Bem q tentei cochilar mas o
sacolejo, a trepidacao e os constantes "chicotes" dos galhos úmidos
no meu braço impediam qq tentativa de descansar. O jeito foi apreciar
a alvorada dando cores àquela paisagem selvagem e agreste.
Às 7:30 e 35km depois alcançamos o rijo asfalto (MA-402), num
ponto de apoio chamado Matoes, onde se fazia conexão ate São
Luiz. Tomei um rapido café c/ tapioca p/ pegar o bus logo a seguir,
onde desta vez consegui dormir ate chegar na rodô da capital maranhense,
exatas 11hrs!!
Por sorte havia poucas vagas no busao p/ SP, as 14hrs. Infelizmente, revirando
tds meus bolsos possíveis vejo q não disponho grana suficiente
p/ passagem, faltando apenas R$20 p/ completar a dita cuja. O cx eletrônico
dali não funcionava e se fosse p/ cidade sacar grana perderia tempo
em condução, na busca de banco, etc. Não queria perder
esse busao e + uma noite em São Luiz tava fora de cogitação,
e agora? Pepinos extremos requerem medidas extremas, e já q durante
a viagem me confundiram com riponga vendendo artesanias resolvi fazer jus
à alcunha. Peguei as camisetas e souvenires q havia comprado p/ trazer
de lembrança p/ família e passei a anuncia-los do lado de um
vendedor de pitombas. Achei q minha breve profissão não renderia
muito principalmente pela discrição q tinha em vender meus "produtos",
mas não é a gringaiada na rodoviária não se interessou??
Não deu nem meia hora e já tinha vendido td, com lucro até.
Preciso repensar minha carreira. Assim q garanti minha passagem, tive tempo
de fazer uma boquinha e ate de secar a barraca e as botas. Tomei o busao e,
após 2dias e meio de cansativa trip - com longas paradas em Teresina,
Petrolina, Feira de Santana, Vitória e Niterói - cheguei finalmente
na Terra da Garoa.
Recapitulando, os Lençóis Maranhenses recebem esse nome justo
pela similaridade q suas dunas guardam com as dobras de um lençol estendido
na cama. Injusto, porém, é enquadrá-lo na simplista definição
de deserto, uma vez q sazonalmente ele se transforma por completo proporcionando
miragens de rara beleza q se tornam tangíveis na forma de oásis
verdejantes, lagoas cristalinas, muita vida, habitantes gentis esporadicamente
nômades e donos de uma cultura peculiar. Ao contrario dos demais desertos,
locais efêmeros e sem memória, os Lençóis são
igualmente locais mutantes ao sabor dos ventos, porem de uma dimensão
exótica q fica + evidente qdo se cruza este nosso deserto-tupiniquim
tal qual seus moradores, ou seja, a pé.
Por
Jorge Soto
______ Designer por profissao
______ Montanhista e trekker por paixao
______ Mochileiro nas horas vagas
______ jorge_beer@hotmail.com