A Chapada Diamantina é
uma miragem de pedra, alta e colorida no meio dos tons ocres e secos do sertão
baiano. O relevo e as chuvas no verão promovem a profusão de
rios, vegetação rica e abundante, grutas, cachoeiras e serras.
E tem a tradicional 'Travessia do Vale do Pati', q embora fosse + uma pernada
dentro da mega-pernada q me propusera, a travessia do Capão ate Andaraí
tinha lá o seu status de ser a 'mais famosa do país', 'a Santiago
de Compostela tupiniquim', a 'travessia do Brasil', entre outros tantos predicados.
Quiçá pq esse trecho fosse um dos q melhor resumem esse espetáculo
repleto de cenários e detalhes interessantes. Era ver pra crer.
Enfim, o gde dia, o fecho de ouro p/ trip!! P/ mim + um dia de pernada pela
Chapada, visto q já tava caminhando há 2 semanas percorrendo
'circularmente' todas suas trilhas (algumas em desuso e c/ mato), belezas
naturais e cruzando c/ as + pitorescas pessoas: saíra de Mucugê
e seu cemitério bizantino atravessando o rochoso cânion da Serra
do Capa Bode ate alcançar Igatu, a Cidade de Pedra, e dar um rolê
na imponente Rampa do Caim; transpôr a trilha tortuosa-rochosa da Serra
da Boa Vista p/ chegar em Andaraí, às margens do acobreado Rio
Paraguassu; logo em seguida beirar o pantanoso caminho do Marimbus, quase
pisar numa sucuri e acampar na praia arenosa da foz do Rio Roncador, p/ chegar
em Lençóis no dia sgte, véspera de reveillon, e dali
fazere vários 'ataques' às incontáveis atrações
proximas; esbarrar c/ Otto e a Alessandra Negrini na travessia da Serra do
Sobradinho, perto do Morrão, ate finalmente chegar a Caeté-Açu,
no Vale do Capão, um misto de Maromba com S. Tome das Letras baiano,
q tem como atrativo a majestosa Cach. da Fumaça bem ao lado. É
o gde dia de fechar o circuito numa travessia fantastica com ataques a atracoes
perifericas, como a Gruta do Castelo e o Vale do Cachoeirao.
1º DIA - VARANDO OS GERAIS DO VIEIRA
Acordei 5:30 naquela manha nublada
de segunda, arrumei as coisas e me despedi da galera curitibana -q recém
voltava meio 'aérea' de uma farra - acampada ao meu lado. Deixei logo
depois o Camping Flor da Serra, um dos muitos q tem lá, sob fina garoa.
Caeté-Açu é um ovo de vilarejo: tem duas ruas principais
travessas, mas tomei a q segue paralelo ao vale, alias a unica, sentido sul.
Não tem erro.
A estradinha precária de terra segue sinuosa pelo Vale do Capão
um tempão, alternando subidas e descidas suaves. Este vale é
o + fértil pelos q havia passado pois é rico em vegetacao, principalmente
bananeiras e palmeiras. No caminho, varias 'pousadas' alternativas como a
Lothorien ('Cto de cura e tratamento'), Kathasi ('Alimentação
natural e crescimento') e Catarse ('Hospedagem assistida'), alem de muitos
depósitos de coleta de lixo seco. Logo vem a Pousada Candombá,
onde varias pinguelas ajudam a transpor o Rio Preto, q nos acompanha td trajeto.
A esta altura a garoa cessou e o sol ameaça sair.
Mais adiante o numero de casas diminui consideravelmente, o verde se abre
e permite avistar o Morro Branco do Capão, um enorme rochoso claro
e escarpado, adiante à esquerda. Após um sobe-desce ingreme,
passo pelo povoado do Bomba - q se resume a algumas casas e quiosques - ate
a estrada terminar num rio, o Córrego Capão, q é transposto
saltando de pedra em pedra. A partir dali é q a trilha começa
e o vale se afunila cada vez mais numa espécie de forquilha formada
pela união dos paredões das serras do Sincorá e Roncador.
As 8:30 chego na placa do Ibama q delimita inicio da trilha ('Capão/Gerais/Pati/Cachoeirao/Andaraí
60km'), e sigo a picada logo depois, onde o paredao do Morro Branco domina
a encosta esquerda. O trilho sobe forte e ingreme por um costao de serra arborizado
ou mata-de-grota, florestas q nascem em terreno inclinado, ate sair num descampado,
agora com os paredões do Morro da Moitinha na nossa frente. A subida
suaviza mas aperta novamente no final, e exatas 9:30 alcanço o topo,
após 350m de desnível vencidos! O fim do vale delimita inicio
dos Gerais do Vieira e olhando pra trás tem-se uma visão ampla
do Vale do Capão - emparedado pelas serras do Candomba e Larguinha
- e dos 10km percorridos ate entao. O Morrao (ou Mte Tabor) ao fundo, mais
parece um cupinzeiro gigante. Uma bela vista a ser apreciada, pretexto pra
um breve descanso, lógico!
Continuando a pernada, agora tenho à minha frente o enorme platozao
achatado e descampado dos Gerais do Vieira (ou Gerais ,como chamam aqui),
q se estende por quase 10km e estão a mais de 1000m de altitude. São
uma espécie de terraços elevados, tipo um segundo andar do solo,
coberto com vegetação arbustiva e solo pedregoso/arenoso, tanto
é q a trilha daqui em diante é de terra ou areia, em meio a
capim ralo. Não demoro e cruzo o Córrego da Galinha e, a seguir,
o do Ancorador, deixando p/ trás o Morro da Moitinha. Delimitando este
platô pela direita, a morraria rochosa da Serra do Esbarrancado; e pela
esquerda, a do Serra do Roncador. O trilho eventualmente se confunde c/ muitos
outros q seguem p/ direita ou esquerda, mas na verdade tanto faz, já
q tds os caminhos levam ao final dos Gerais, ao sul. Porem, os trilhos da
esquerda geralmente tem desníveis maiores. Eu apenas segui o q fosse
em frente (ou pela direita), não desviando muito do sul, me guiando
pelo inconfundivel Morro do Castelo (ou Morro Branco do Pati), rochoso encravado
9km adiante. O ruim deste trecho é q p/ descansar não há
nenhuma pedra pra sentar! Nem sombra.
Atravesso o infindável descampado de capim ralo, mata ciliar, gramíneas
e sempre-vivas, tendo agora como bela paisagem o imponente Morro Manoel Vitor
(ou Gaúcho), à minha esquerda. Alguns vales pequenos e pouco
profundos aparecem c/ suaves e imperceptíveis variacoes de declive,
mas q são certeza de água, alem de muito brejo. Ao atravessar
o Rio Açucena, noto alguns restos de fogueira recente. Uma outra trilha
segue p/ direita, subindo o rochoso, deve ser a subida do Quebra-Bunda, q
leva à Guine, já no alto da serra. Mas continuo na minha, pro/sul,
firme e forte. O sol agora esta implacavel, e neste enorme descampado amarelecido
parece fritar a cachola. Pra aliviar o calor, resolvo alcançar um pequeno
vale arborizado, proximo do q parece ser um velho cocho em desuso. Péssima
ideia, estava repleto de umas malditas e vorazes 'mutucas-pitbull', q me obrigam
a deixar o local correndo p/ novamente 'pastar' no capim. A sensacao de q
nao se chega nunca, de nao sair do lugar ou de andar numa esteira rolante
seria tediosa nao fosse a proximidade gradual do Morro do Castelo, o 'farol'
dos Gerais.
Por volta das 11:30 chego no Córrego da Lapinha, onde encontro um trio
de capixabas q haviam acampado onde vira restos de fogueira. Iam p/ uma 'festa'
na 'Prefeitura' e resolvi acompanha-los. Tava na cara q eram bicho-grilos,
e um deles carregava uma sacola enorme no braço q era a barraca, e
um cigarrinho do outro. Aproveito q eles tavam tomando banho p/ descansar
e beliscar alguma coisa. Sombra q é bom, nada. Retomada a pernada,
continuamos a singrar o capinzal, cada vez mais proximo do nosso 'farol'.
O horario e a iluminação conferia a paisagem cores mto bonitas;
o dourado do campo e o rubro de algumas gramíneas se alternava com
o laranja- cinza-esbranquiçado do imponente rochoso diante mim, cujas
torres de pedra lhe dao aspecto medieval, digno do nome.
DESCENDO AO VALE DO PATI
Ao chegar na base do Morro,
contornamo-lo pela direita ate encontrar uma trilha q, após uma rustica
porteira, se enfia na mata e desce o vale, É aqui q comeca propriamente
dito o Vale do Pati, já vendo parcialmente o extenso cânion de
gdes rochas recortadas pelas águas do rio Pati. Inicialmente, a descida
é no aberto, cercado de matacoes de samambaias, p/ logo tornar-se sinuosa
em densa mata fechada. O calor é abafado, mas o som de riachinhos a
esquerda soa como musica aos ouvidos. Este trecho é repleto de brejo,
a lama segura a bota e os escorregões são bem comuns. Mas o
jeito é continuar.
Após quase 150m de desnível e 4km percorridos do alto, a trilha
sai da mata e chega numa casinha azul do lado de uma capelinha, local conhecido
como 'Ruinha'. São 13:30, minhas pernas tão bambas de cansaço,
o sol ta fulminante e é aqui mesmo q tdos desabamos na sombra fresca
da soleira da igrejinha. Ali na verdade fora uma pequena vila onde ocorriam
as festividades locais, mas q com o declínio do ciclo cafeeiro restaram
sometne as ruínas no matagal, vestígio da cultura rica do Patizeiro.
A 'Ruinha' passava por um processo de ampliação e restauracao,
pois é importante pto de apoio de pernoite aos turistas, contou Seu
Adilson e Seu João, q tomavam conta do local.
O trio riponga compra uma 'branquinha' local e passam a bebericar, sinal q
não sairiam tão cedo dali. Apesar de cansado e ainda cedo, não
tencionava pernoitar ali e sim mais adiante. Peguei água e me despedi
dos capixabas. E assim novamente continuo a pernada solitaria, agora em subida
considerável por colinas desnudas ou c/ vegetação aparentemente
queimada. A subida é vagarosa, o céu estupidamente azul e o
sol parece fritar taquara na cabeça. A satisfacao é poder apreciar
os majestosos 1580m do Morro do Castelo agora por trás, bem proximo.
Mas chegar ao alto da morraria tem compensação maior: uma panorâmica
do Vale do Pati em toda sua extensão e beleza, um cânion de rocha
dourada singrado por um rio negro em meio a mto verde na base dos enormes
maciços de pedra. Não é a toa q a foto-clichê da
travessia seja daqui. Olhando pro lado, um ponto reluzente em meio a mata
ao pé dos paredões, provavelmente a Cach. do Lajedo.
Toda subida tem sua descida, no caso um ziguezague por carreiro de terra aplainada
e pedras soltas, cercado de muita samamabaia. A camelagem parecia não
ter fim; subida brava, descida pior, agravada c/ o dedão batendo na
ponta da bota! A medida q perco altitude, noto bem proximas algumas casinhas
esparsas e lonas inconfundíveis de barracas nos pequenos quintais.
E as 15hr chego na casinha simples do seu Wilson & Dna Maria, bem do lado
da trilha, q ainda desce vale abaixo. Havia lugar sobrando no quintal inclinado
dele, embora este fosse formado basicamente de terraços p/ acomodar
uma dúzia de barracas, metade dele tava ocupado. Negociei meu pernoite
(R$3) e foi la q joguei definitivamente minhas tralhas, exausto. Seu Wilson
é um dos vários 'pousos' daqui, pois os locais tão habituados
a hospedar forasteiros. Meus vizinhos de barraca eram ripongas de passagem
p/ Capao, pra variar. Uns tavam já de saída e levavam crianças
a tiracolo, nas costas!!!
Só depois de montar barraca fiquei sabendo q não havia água
em fcao da estiagem q assolava a regiao, nem mesmo pro grupo hospedado na
casa. As torneiras tavam sequinhas. O jeito era continuar descendo pela trilha
ate chegar no Rio Pati. Foi o q fiz, pois já não me agüentava
de suado q tava. Em menos de 10min cheguei ao fundo do vale, onde o Pati se
limita a um módico riachinho, correndo tortuosamente vale adentro,
no meio da mata. Embora nada fundo, me acomodei em alguns lajedos e fiquei
semi-submerso afim de relaxar na minha banheira improvisada, merecidamente.
Ali tb encontrei um grupo da Pisa Trekking indo pra gruta do Morro do Castelo.
Tivemos uma breve prosa, já antevendo q os reencontraria nos dias sgtes.
Na seqüência retornei p/ casa do Seu Wilson, munido de água,
claro! Faminto, preparei minha janta ainda de dia. P/ issto havia um anexo-cozinha
da casa, um tipo de casa de farinha, feita de pau-a-pique, onde alem de dispor
de um fogão a lenha parecia tb q ali se guardava td sorte de tralhas.
E a duras penas, naquela rústica cozinha tropeira consegui fazer meu
miojao. Como sobremesa, comprei um suculento pastel de palmito de jaca de
Dna Maria, iguaria q já havia provado no Capão. Foi qdo reparei
um letreiro presente por todos os cômodos da casa, avisando os turistas
de 'Não falar palavrão, não usar drogas, não falar
alto, não andar s/ roupa e não pentear cabelo na cozinha'.
Os demorados crepúsculos diamantinos são um show a parte, isto
pq o sol se esconde brevemente atrás da cadeia montanhosa mas brilha
ainda um bom tempo na amplidao do horizonte. De bucho cheio, me restou bater
papo c/ os demais 'hospedes' na soleira da casa, principalmente um holandês
q fazia tb a trilha so q com roupas formais. Dna Maria era + simpática
q Seu Wilson, q parecia bem + reservado. O papo tava bom, mas como foram quase
24km de pernada naquele dia, assim q a noite debruçou-se sobre o Pati
me recolhi, sob um clima extremamente agradável. Naquela noite, alem
de ventar razoavelmente, o vale foi iluminado por uma lua cheia q 'prateava'
os enormes rochosos q nos cercavam. A escuridão por si só um
convite p/ contemplar as zilhoes de estrelas q cravejam o céu noturno.
Mas o cansaço falou mais alto, claro, e dormi feito neném.
2º DIA - EXPLORANDO A GRUTA DO CASTELO
Levantei as 6 da matina sob
fina serração, refeito e bem disposto afim de explorar os arredores.
Enquanto ela cedia vagarosamente tomei meu mirrado cafezinho. O céu
tava nublado claro, porem sem sinal algum de chuva. Muita gente já
tava de pé, ainda mais qdo vi Seu Wilson trazer água p/ jogar
depois numa tijela, q obviamente seria nossa 'pia'. Coletei infos da Cachoeira
do Funil com Adilson, o filho de seu Wilson, q me garantiu q tava pertinho.
As 7 subi um tanto pela trilha por onde viera o dia anterior, e em pouco tempo
notei uma trilha discreta q saia pela direita. Esta descia o vale em meio
a muita samambaia úmida pelo sereno matinal e logo cheguei ao Rio Pati,
so q bem mais acima. Dali foi so seguir pela margem, ora de um lado ora pelo
outro, ou saltando de pedra em pedra cuidadosamente. Meia hora depois alcancei
a Cachoeira do Funil, uma cachoeira larga de onde pouca água despencava
atraves de uma serie de lajedos dispostos um sobre o outro, formando degraus.
Se fosse meio-dia certamente ali seria um bom local p/ tchibum, mas me limitei
somente a descansar e apreciar a paisagem, ao som angustiante das arapongas,
q pareciam ter acordado dispostas tb p/ este novo dia.
Uma hora depois retornei à casa do Seu Wilson, enquanto o dia continuava
não parecer se definir, e nuvens cobrindo o topo dos enormes paredões
não resolviam se deixavam o céu limpo ou não. Ainda cedo,
colhi infos da Gruta do Morro do Castelo, q me garantiram era bem facil de
chegar. Desci novamente ao Rio Pati, no mesmo local q me banhara ontem, atravessei
o rio e do outro lado havia uma picada q seguia mata adentro.
A trilha sobe suavemente, p/ depois tornar-se cada vez mais acentuada, uma
piramba forte. Logo estamos escalaminhando pedras nos agarrando em galhos,
raízes e troncos p/ manter equilíbrio. A trilha é bem
nitida e é fácil notar qdo se toma caminho errado. A medida
q se ganha altitude e suando já em bicas, alcanço o 'quase-topo'
do Morro do Castelo. Na verdade, este morro se esparrama p/ sudeste na forma
de uma enorme parede, sendo q no meio há um mini platô, onde
agora me encontrava. Ainda na trilha, vou de encontro à base da parede
propriamente dita, em meio a bromélias, candombás e arbustos,
já avistando uma enorme fenda rochosa, de onde conseguia ouvir vozes
próximas.
As 9:30 cheguei na boca da enorme gruta, onde esbarrei c/ a galera da Pisa,
q tomava seu café da manha pois haviam pernoitado ali. Aqui pode-se
dizer q é uma 'janela' com vista panoramica privilegiada p/ Gerais
do Vieira, a 1450m de altura! O corpo gritava de cansaço mas a paisagem
já valia a pena! E descansei brevemenete enquanto coletava infos do
interior da gruta. E munido de lanterna e maquina fotográfica, me enfiei
no frescor da escuridão da caverna, cujo trecho inicial é suave
descida em terreno arenoso. Diferente das do PETAR, aquela gruta não
era totalmente rochosa e sim composta de sedimentos e quartzito. Felizmente
o caminho era mão-única, haviam alguns sobe-desces fáceis,
contornava ou saltava algumas pedras, e sempre q chegava num salão
maior memorizava o trajeto ou deixava algum totem de sinalização.
Não tardou e logo cheguei no outro lado, a outra boca da caverna. Uma
pedra quase pendurada da montanha oferecia uma vista espetacular da porção
nordeste do Vale do Pati, aqui sendo singrado pelo Rio da Lapinha.
Após um rápido descanso retornei pelo mesmo caminho. Aí
não é q a pilha lanterna pifou? Felizmente me valhi das pilhas
do flash. Não bastassse isso, numa das galerias me confundi, não
achei um totem deixado e não encontrei a passagem pra varar a caverna.
Perdi um tempinho procurando, mas ate q finalmente achei a direção
correta e consegui voltar à entrada da caverna (ufaaa!), exatamente
no momento em q a galera da Pisa se preparava p/ descer do morro, quase as
10hrs. Claro q aproveitei a carona e desci junto.
Pra descer td santo ajuda, mas td cautela é pouca. Eu teria ate descido
rápido, mas acabou sobrando p/ mim dar uma mão p/ garotas do
grupo, composto basicamente de psicólogas e analistas de sistema paulistas.
Me despedi deles assim q chegamos no Rio Pati, la embaixo, quase as 11:15,
e dali já me mandei p/ casa do Seu Wilson, pois queria dar continuidade
à travessia. Desarmei acampamento, tive uma rápida conversa
com Seu Wilson, q tinha a companhia de um tropeiro da região. Me despedi
de td mundo e pé na trilha again.
PELA PREFEITURA E INTERIOR DO VALE
Deixei o local sob o sol bravo
das 12:30 e um céu estupidamentee azul e limpo, mas felizmente a trilha
é bem arvorizada. La embaixo, ao invés de seguir p/ esquerda
(Gruta do Morro) continuo pela trilha, acompanhando o Rio Pati pela sua margem
direita. No caminho detono um sanduba caprichado q seria meu almoço
e passo pela entrada da casa de Dna Lea, onde o pessoal da Pisa almocava.
A pernada prossegue inipterrupta ate q cruzamos o Pati ate sua outra margem,
já menos arborizada porem permitindo uma vista fantástica da
metade do vale. Notamos q estamos emparedados pelas paredes do cânion,
e por todos os lados despontam paredoes enfeitados por boqueirões,
grutas e lapas, q são reentrâncias nas pedras q formam um teto
similar a gruta. Alem de muita mata e verde ao sopé das mesmas.
A trilha agora é de areia bem clara, não tem nenhum segredo
e toca p/ sudeste; visivelmente vamos contornando o Morro do Castelo tendo
o Rio Pati à nossa direita nos acompanhando. Ora com sombra, ora não.
O cheiro doce de jacas estimula varias paradas na tentativa de obter alguma,
mas a dificuldade de alcança-las e a presença tb de 'mutucas-pitbull'
diluem qq intencao de parar. Alem do mais, cruzo com vários jovens
(ripongas baianos, brasilienses e goianos!) em sentido contrario, indo pro
Capão. De fato, aqui ninguém se perde mesmo!
Uma hora e quase 4km depois começo a descer, contornando a base do
paredão e indo de encontro ao rio. Aqui a continuação
do Morro do Castelo, q se chama Morro da Lapinha, termina e um vale maior
abre-se diante de nós! Isto pq mais adiante o Rio Lapinha (q vi do
alto da gruta) se junta ao Rio Pati, seguindo com mais volume em meio ao vale
formado pelos paredões verticais e imponentes da Muralha, q nada mais
é q a Serra do Roncador, e da mirrada Serra do Sobradinho, no lado
oposto. É aqui tb q, atravesando o rio pulando de pedra em pedra, chegamos
ate a 'Prefeitura', um casebre erguido inicio de século p/ servir de
alojamento aos mercadores q, no lombo de mulas, comercializavam produtos entre
Lençóis e Andaraí. Hj tb serve de apoio a turistas, com
alguma precária infra, campo de futebol e td. Algumas barracas indicam
q havia um pouco de farofa ali.
Contornada a 'Prefeitura', a trilha sobe a piramba de um pequeno morrote coberto
de samambaias e vira definitivamente sentido quase -sul, com subidas e descidas
suaves q beiram a Serra do Sobradinho, mas tendo sempre o Rio Pati (Pati+Lapinha)
à nossa esquerda, ora afastado ora não. Por conta do horario
e do paredão rochoso à nossa direita, este trecho é feito
no frescor da sombra e não oferece maiores dificuldades de desnivel.
A densa vegetação tb ajuda a encobrir o belo vale q se descortina,
mas eventualmente há janelas q permitem ver a muralha rochosa dourada
pelo sol em contraste c/ céu azul.
A caminhada é bem tranqüila, sempre em declive suave, ate finalmente
chegar ao nível do rio. Da 'Ruinha' ate aqui foi um desnível
de quase 350m!! Assim sendo, exatas 14:30 chego na ponte de concreto q é
o pto onde o Rio Pati deságua no Rio Cachoeirao, vale adjascente ao
do Pati. A ponte - semi destruída em fcao de poderosas trombas dagua
- atravessa o rio, q aqui é bem largo e oferece muitos poços
bastante convidativos. Na outra margem, a trilha visivelmente continua beirando
o paredão à esquerda ate chegar mais adiante na Ladeira do Império,
q sobe o paredão em ziguezagues. Como minha intenção
era ainda a de explorar o Vale do Cachoeirao o dia sgte, precisava arrumar
um local p/ pernoitar. Ali perto da ponte havia vários locais gramados,
no entanto resolvi aguardar ali o pessoal da Pisa, afim de ter companhia,
e resolvi acampar onde eles fossem pernoitar, provavelmete a casa do Seu Masu.
Com tempo de sobra e o sol a pino, fiquei enrolando e me divertindo a beça
ali, ora descansando nas enormes pedras do leito do rio, ora mergulhando nas
refrescantes águas acobreadas do Pati ou lavando alguma roupa mesmo.
A cor avermelhada das águas se deve a presenca de ferro e material
orgânico em decantação em excesso. Mergulhar no Pati é
nadar num copo de Coca-Cola! O tempo foi passando e nada da galera. Nesse
meio termo vi apenas um grupo de meninas seguir p/ Prefeitura e um par de
tropeiros seguir p/ Andarai. O trio capixaba tb passou, só q estes
seguiram p/ casa de um morador local do Vale do Cachoeirao, e tomaram a discreta
trilha q segue p/ direita, antes da ponte. Por volta das 16hrs, qdo o sol
tava mais ameno, o retorno das 'mutucas-pittbull' torna o descanso um inferno!
É preciso ter paciência p/ lidar com estes inconvenientes insetos,
q mordem forte ao menor descuido. Parecia praga do Egito.
Finalmente la pelas 17hrs a galera da Pisa aparece - penando c/ o 'samba da
mutuca' e surpresos com o tamanho da minha cargueira, pois eles apenas carregavam
uma de ataque, deixando o grosso pro Zói, o guia - e juntos atravessamos
a ponte, onde na outra margem deixamos a trilha principal p/ tomar uma q sai
discretamente pela direita, acompanhando o leito pedregoso da junção
dos rios. Logo temos q cruza-lo saltando de pedra em pedra, chegar numa pequena
ilhota fluvial, p/ depois continuar saltando as pedras ate alcançar
sua outra margem. Dali a trilha entra nos arbustos, em franca subida, beirando
as encostas dos paredões do Pati de Baixo, ate chegar num descampado
q indica q chegamos na casa do Seu Masu, proximo do Rio Pati, q era bem simples
e modesta, possuía alguns anexos e muitas roças no entorno.
Um detalhe é q a casa era desprovida de janelas.
Enquanto o pessoal d agencia se acomodava nos quartos simples do local, armei
minha barraca no pequeno campinho de futebol proximo, sob atento olhar das
crianças dali. A vista era igualmente fantástica pois tínhamos
literalmente a muralha dourada de rocha da Ladeira do Império bem na
nossa frente, e não raramente víamos 'pontinhos' percorrendo-a
em ziguezagues ao seu topo; p/ sudoeste, o restante do vale se descortina
emparedado em canions q terminam, ao fundo, na Serra da Bela Vista, onde o
Rio Pati deságuava no Rio Paraguassu, aos pés da Rampa do Caim.
Assim q o sol se foi, por pouco o banho (sempre frio) fora no escuro, pois
o vento teimava em soprar a vela acessa no banheiro. Faminto, desta vez deixei
meu miojo de lado e resolvi comer comida mesmo, alguma refeição
típica daqui. Nos juntamos na sala simples iluminada com lampião,
ornada com td sorte de santos na parede, e nos fartamos da deliciosa janta
preparada em fogão a lenha. Saladas, arroz, mandioca, feijão
tropeiro, palma, macarrão, galinha, carne, farofa de couve, godó
de banana, sucos naturais e como sobremesa, um doce de leite e goiabada c/
queijo. Td isso por quase R$7!! Engraçado era perceber q todas as cadeiras
e mesas eram bambas, quase q de balanço.
Depois, e com tempo + ameno, nos juntamos na frente da casa p/ uma prosa com
direito a violao e fogueira, alimentada por folha de bananeira. A lua cheia
q surgiu atrás dos paredões do Roncador iluminou de maneira
impar os canions do vale e dispensou qq uso de lanterna, e cansados, fomos
nos recolher por volta das 22hrs. Sem contar o sobe/desce ao Morro do Castelo,
aquele dia foram quase 8km percorridos,q me fizeram dormir feito uma pedra..
3º DIA - NAS ENTRANHAS DO VALE DO CACHOEIRÃO
A quarta-feira e 3º dia
de travessia, deixei p/ exploração do vale aproveitando 'carona'
com o pessoal da Pisa, claro! Acordei as 5:30 ao som de ruidosos xiribas,
um periquito típico do Pati e fomos tomar o farto café-da-manha,
cm direito a pão e leite fresco, doce de leite e bolo de aipim! E muita
banana pra 'não sentir cãibra', segundo Seu Massu.
Por volta das 8hrs partimos munidos de mochila de ataque rumo ao Vale do Cachoeirao,
voltando pela trilha ate a intersecção dos rios, dali descemos
um pouco o Rio Cachoeirao e saltamos de pedra em pedra ate a sua outra margem,
já aos pés da Serra do Sobradinho. Aqui adentramos um pouco
a mata ate interceptarmos a trilha oficial (aquela q saia pela direita, antes
da ponte) p/ entrar no vale. Alcançada a mesma, basta segui-la sentido
oeste em suave aclive pela encosta da serra, sempre paralela ao rio.
Não tardou e chegamos na casa do Seu Eduardo, outro morador local q
hospeda forasteiros, onde tava o trio capixaba e uma outra galera no quintal
dele. Pausa p/ uma rápida prosa. No quintal dele, um pé de 'saco
de véio' chama a atencao, uma planta q dá um fruto q parece
um limao peludo mas é cheio de ar; é murcho, peludo e nao serve
p/ nada! A pernada prossegue vale adentro sempre em aclive, cada vez mais
nos afastando do nível do rio, q vai ficando la embaixo, ora distante
ora proximo. A alternância de trechos abertos, forrados com matacoes
de samambaias; e trechos fechados c/ mata densa e muita jaqueiras, atenuam
o sol forte daquela manha. No caminho, Zói pega uma jaca e leva na
cabeça (!?) alem de carregar um mochilao c/ rango pro povo. Alias,
o Zoi era uma figura pitoresca com expressões proprias; seu apelido
se deve a q ele via os bichos com seus 'Zoi' como ninguém.
Adentrando mais no vale, a mata torna-se mais densa e orquídeas e bromélias
passam a colori-la; alem de estar repleta de sons q evidenciam a rica fauna
daqui. Cantos de arapongas, sabias, bem-te-vis e outras aves são ouvidos
a todo instante. Logo, a trilha alcança o nível do rio, e dali
a pernada prossegue contornando ou saltando as enormes pedras encravadas no
leito do rio, subindo seu curso. Por volta das 11:30hrs resolvemos fazer uma
pausa, seguido de um lanche básico! Claro q mandamos ver na jaca, principalmente
eu! A ocasião tb foi pretexto p/ um refrescante banho nos inúmeros
poços naturais e mini-cachoeiras q se formam em td o trajeto.
Retomamos a caminhada 1 hora depois, sempre rio acima. Ao notar q o vale se
afunilava cada vez mais, o paredao final de rocha já fica mais evidente
à nossa frente, proximo. A pernada torna-se mais árdua e lenta
qdo nos afastamos do rio afim de seguir pela encosta do paredão, cautelosamente,
de pedra em pedra, nos firmando seja na rocha, galhos e qq coisa q nos de
firmeza e equilíbrio. Ate o mato daqui segurávamos c/ cuidado
pois tava repleto de carrapatos! O pessoal comeca a chiar, mas Zoi diz 'Calma,
tamo mais perto q longe!', enquanto ouviamos incofundiveis urros do macaco
barbudo, curiós e araras.
Agora é pura escalaminhada entre as enormes pedras desmoronadas. As
quedas dagua tão bem a nossa frente, visíveis! O Cachoeirao
(ou Boqueirão) é composto por 5 cachus sequenciais, sendo q
3 (Palmital, Verde, etc) delas se limitavam a respingos em fcao da estiagem.
Assim vamos uma trás outra, q não tem um gde poço, mas
q servem muito bem pra refrescar a cabeça e molhar a goela. Apesar
do pouco volume, os respingos, o chuvisco, o conjunto formado pela rocha colorida,
mata e musgo verde forrando as paredes e a iluminação geral
conferiam um aspecto surreal à cena, lembrando um jardim do Burle Marx.
A dificuldade de acesso guardava um dos locais realmente mais intocados e
belos daqui.
Após a ultima escalaminhada, chega-se ao fim deste vale circular, no
vértice do cânion, onde um paredão de rocha totalmente
vertical de quase 200m obstrui qq avanço, e de onde despenca água
embora com pouquissimo volume. É a ultima cachoeira. As 13hrs estamos
no 'Mirante', uma elevação formada por um imponente bloco de
rochas sobrepostas no fim do cânion, de onde se tem uma vista ampla
dos 8km percorridos e do vale emparedado em td sua extensão! Olhando
pra cima, tem-se a impressão q o paredão vai despencar sobre
vc! Do lado do mirante, a piscina natural nos pés da cachu seria uma
tentação pra aliviar o cansaço, mas como ali estávamos
imersos nas sombras frescas (e frias) dos paredões a idéia ficou
apenas no pensamento. Pausa p/ descanso e lanche. Dose era desviar dos chuviscos
trazidos da cachoeira pelo vento. Zói dizia q era melhor pouca água,
pelo perigo das trombas dagua: qdo chove é preciso atencao, pois a
precipitacao escorre rapidamente das rochas e uma tromba dagua se forma do
nada, arrastando td q tiver pela frente. Aqui tb estava repleto de ossadas
de bichos, priciplamente gdes roedores. Sera q haviam despencado do alto ou
ali era refeitório de onças, bem comuns na região? Vai
saber..
Refeitos, começamos o duro ritual de retorno. Foi aqui q uma coceira
na virilha era indicio q havia pego os malditos carrapatos. Saco! E depois
de uma boa andada, q demorava 'uma volta de relógio grande', segundo
Zoi, 15:30 chegamos na casa do Seu Beto, onde nos refugiamos brevemente do
calor do sol abrasante. Novamente na trilha, chegamos na já manjada
ponte de cimento logo depois. Ali me despedi do pessoal da Pisa, pois eles
pernoitariam onde Seu Bezzo, perto dali. E já q tava ali, mandei ver
mais uns refrescantes mergulhos nos poços sob a ponte pra fechar o
dia.
Refiz calmamente e bem relaxado o trajeto q fizera o final do dia anterior,
cruzar o rio e chegar na casa de Seu Masú, comi algo e apreciei o por-do-sol
dourado estendendo sua sombra por td vale. Mais tarde, após a janta
(desta vez na barraca), fiquei conversando com Seu Masu e sua mulher, q me
confidencia do problema da falta de uma professora p/ crianças no vale
todo, q são 13 ao total. É o descaso das autoridades ambientais
e políticas c/ os moradores da região. Por volta das 21hrs fui
me recolher, cansado. Não tive dificuldade em apagar, mesmo tendo caminhado
apenas 15km naquele dia. O dia sgte seria puxado e teria q levantar cedo.
À noite ventou um pouco e so não fui importunado pelos mocós
- misto de preá e rato minusculo - pq os cachorros do Seu Masu circulavam
com freqüência o local.
4º DIA - DA PIRAMBEIRA LADEIRA DO IMPERIO ATE ANDARAI
Acordei as 5:10 de quinta, já
claro, mas enrolei preguiçosamente no saco de dormir. Da mesma forma
q o crepúsculo, a alvorada aqui começava bem cedo, tingindo
o céu gradativamente de tons azul-escuro, escarlate, laranja e finalmente
azul-claro! Um casal goiano c/ sua filhinha hospedado na casa, recém
saia rumo Andaraí, e o filho de Seu Massu levava um burro q transportava
a bagagem extra deles. Saiam cedo pq enfrentariam, assim como eu, a piramba
da Ladeira do Império. Poderia te-los acompanhado, mas a preguiça
falou mais alto.
As 6:30 me despedi de Seu Masu, seguindo suas dicas. Daqui poderia perfeitamente
retornar à ponte e de lá retomar a trilha oficial, mas seria
perder quase meia hora. No entanto, há um atalho daqui mesmo q intercepta
a mesma trilha, do outro lado do rio. Desci ate a margem do Pati,à
minha esquerda, tomando uma picada q o acompanhava paralelo p/ sudoeste, vale
adentro. Em pouco tempo, chega-se numa espécie de pequena praia fluvial,
onde são visíveis as marcas de pegadas de cavalos e gente. Aqui
eu passei batido, mas logo percebi pq não batia c/ as infos, e retornei,
me guiando pelas pegadas no chão. É daqui, da prainha de areiao,
q se atravessa o largo rio, saltando de pedra em pedra. Na metade do rio,
numa ilhota de pedras e troncos trazidos pela correnteza, fiquei estudando
a outra margem e pronto! La estava ela, a continuação da trilha,
escondida no meio da mata e próxima do q parecia ser outra casinha!
Já na outra margem, segui pelo íngreme carreiro de terra batida
q beirava pela esquerda uma pequena e imperceptivel propriedade. Assim q deixamos
a cerca p/ trás, o trilho comeca a ziguezaguear indefinidamente a encosta
da serra, em meio a arbustos e mata rupestre, cada vez mais ingreme, exigindo
um esforço e resistência consideráveis das pernas e joelhos.
Subir isto aqui no sol do meio-dia sem condições! Agora sei
o porquê de sair cedo p/ encarar esta piramba..
Depois de um tempo interminavel e muitos ziguezagues, olho p/ trás
e percebo q já subi consideravelmente; ao mesmo tempo noto q a trilha
de terra intercepta uma estrada de pedras, repleta de degraus naturais rochosos
as vezes escavados na própria pedra. É a Ladeira do Império.
A pernada continua forte e inipterrupta ate comecar a ouvir vozes adiante,
principlamente voz infantil. Apressei o passo (a duras penas) e alcancei o
casal goiano e sua filhinha sapeca, com os quais seguimos a lenta subida!
No trajeto, uma inscrição na rocha datada de '19/07/61' marca
o fim d construção da ladeira, por sinal uma verdadeira obra
de engenhosidade! Claro q muitas paradas são necessarias p/ retomar
fôlego, afinal, depois tem muito chão ate Andaraí.
Por volta das 8hrs e 450m acima do nível do rio, uma ultima ladeirinha
nos leva no Mirante. Alcançamos o topo. Suando em bicas, é aqui
q descansamos nas pedras merecidamente após tanta camelacao. Alem de
beliscar algo, apreciamos a paisagem q temos à nossa esquerda. O lugar
faz jus ao nome e vale o esforço. Os mesmos cartões postais
da travessia - Cachoeirao, Morro Branco, Pati - são vistos de outro
ângulo, igualmente majestosos, e o Rio Pati, la embaixo, serpenteia
cânion adentro tal qual uma cobra preta num fundo verde.
É aqui q a trilha muda de direção; inicialmente pro norte
e depois p/ leste. É aqui tb q deixamos o Pati e voltamos ao 'mundo'
novamente. A paisagem muda radicalmente, tal como se mudássemos a pagina
de um livro de geografia! Os verdejantes vales cedem lugar ao agreste sertão
baiano e vegetação rasteira de cerrado! A pernada é retomada
em suave descida no meio da Serra do Ramalho, de poucas elevações
e muita horizontalidade. O casal goiano decide estacionar na única
bica q há neste trecho p/ fazer um lanchinho, mas eu apenas me abasteço
de água e sigo em frente.
Dai em diante o caminho foi feito com o sol na moleira e o calor q o chao
rochoso refletia. Uma flor vermelha bem bonita, raio de sol, é bem
comum neste trecho pedregoso em meio aos arbustos espinhentos. Mais adiante,
sempre em declive, contorno uns morros baixos, cruzo c/ uma galera riponga
no sentido contrario. E as malditas mutucas-pitbull resolvem aparecer novamente,
e apresso o paso tentando expulsa-las usando a camisa como abanador! Não
demorou e alcanço os retardatários da galera da Pisa!! Era Zoi,
q acompanhava a mais lerdinha do grupo, q por sinal tava mais a frente.
A pernada continua em descida pela 'BR', como Zoi chamava a larga faixa de
pedra aflorada na terra. A trilha era bem visível e atravessava extensas
áreas outrora explorada pelo garimpo de diamante, serpenteando a rala
vegetação rupestre, recheada de cactos enormes e xique-xiques,
um cacto florido. Atravessada a serra, as vistas agora se abrem permitindo,
a oeste, uma panorâmica de Andaraí, pequenina, e os marimbus
da Serra do Ramalho, atrás! A trilha passa por umas rampas de pedras,
pedras soltas e trilhos de areia. Mas a pernada parece não render em
função do calor e da inexistência de água por aqui!
Nem vento, nem água, nem sombra, e sempre expostos ao sol inclemente
do agreste. É neste trecho desolador q encontro o resto da galera da
Pisa, acabadaça.
Cada vez mais perto da cidade, ziguezagueamos ladeiras de pedras finais e
o caminho torna-se intuitivo. A trilha vai pro espaço e basta seguir
rumo a cidade, bem visível. Um grupo de gringos passa pela gente, e
logo estamos chegando nos primeiros muros e arvores da cidade, sinal q os
quase 18km desde o inicio do dia estão p/ ser concluídos. Chegamos
na extremidade oeste da cidade exatas 10:30 e mortos de calor e sede!
Como já havia estado aqui uma semana atrás, não tive
dificuldade em me orientar. Andaraí é pequenina e simpática,
repleta de casas coloniais, tem uma cultura peculiar e forte influencia negra.
Claro q fomos de cara p/ melhor sorveteria da cidade, a Apollo, onde detonamos
sorvetes c/ a desculpa de nos reabastecer de energia. Casquinhas de seriguela,
tamarindo, mangaba e carambola foram apenas o começo. Eu queria tb
me esbaldar de cerveja mas na cidade td não havia (!?), apenas uma
marca duvidosa 'Dávila' tava disponível no freezer q, embora
fosse ruim pacas, mandei ver assim mesmo! E assim comemoramos a nossa aventura
bem-sucedida, observando o vai-vem pacato de Andaraí e seus moradores
circulando c/ guarda-chuva p/ se proteger do sol inclemente. 1 hora depois
uma van vinha buscar a galera, dos quais me despedi, antes de trocar emails
e td mais. Não demorou e o busao p/ Vitória da Conquista tava
estacionando bem ao lado, quase meio-dia! E assim, suado, sujo e esculhambado
não pensei duas vezes e embarquei nele, p/ dar continuidade à
trip pelo litoral bahiano, sem antes dormir na rodoviária, claro!
Como praticamente todas as trilhas
da Chapada, a Travessia do Pati tb fora aberta século retrasado por
tropeiros q abasteciam os garimpeiros em busca de ouro e diamante no além-Sincorá,
contando um pouco da historia daqui. Hj o único movimento é
de andarilhos c/ mochila nas costas q garimpam a real sensacao de isolamento
total, de volta no tempo, de convívio de pessoas humildes e hospitaleiras,
c/ cultura peculiar e muita simplicidade. Td isso já faria da trilha
a sua atração por si só, mas junte isso num contexto
de diversidade natural e paisagistica num so local. Esse é o Vale do
Pati, um oásis no sertão. E somente a caminhada atraves dele
ajuda a entender o porque de tanta fascinação pela Chapada Diamantina.
E lembrar q aquilo td já foi mar um dia ajuda a gravar na retina e,
principalmente, na memória, mais intensamente as pegadas deixadas no
solo arenoso do Pati.
Jorge Soto
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Jorge Soto
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